1 Oi, Pai! n Não é tão acessível um lugar aqui para que nos entendamos com a calma precisa.
2 Reconheço que estamos entre amigos, mas isso não quer dizer que estejamos unicamente entre conhecidos para um bate-papo como seria de desejar.
3 Papai, sei que a mãezinha Helena vem procurando com urgência notícias minhas. Isso, em verdade, é que constitui crença firme.
4 Porque depois de se haver perdido o corpo físico as surpresas são muitas e uma delas é essa dificuldade para nos entendermos por terceiros.
5 Ainda assim, sou grato ao ensejo que me oferecem para que eu fale, n e sou reconhecido ao seu interesse de pai que se desvencilha de tantos preconceitos por minha causa.
6 Papai Américo, a máquina bateu e eu bati com ela, de tal modo que não fui mais o que fora.
7 Sentia-me aflito, desolado mesmo, quando amigos apareceram e me transportaram para um recinto de paz e repouso.
8 Fui até mesmo transportado pela simpatia e pela bondade do meu avô Leopoldo n para uma casa de saúde, onde vou me restaurando quanto às próprias forças.
9 Resignar-me ainda está um tanto difícil, porque meus planos para a vida eram muitos e somente a generosidade de meu avô encontraria o lugar certo, onde consegui reencontrar-me.
10 Penso agora na mãezinha Helena e peço a ela me liberte do pranto com que me prende à nossa casa terrestre. Agora é preciso lutar e trabalhar para ser gente aqui, nestes mesmos domínios para onde fui trazido. Ainda estou inseguro, mas a situação vai melhorar.
11 Perdoe-me, se termino esta ligeira correspondência, já que precisamos simplificar a vida para que a vida se nos faça mais feliz.
12 Muitos amigos me ampararam as melhores oportunidades de refazimento, mas estou na sombra da indecisão, embora reconheça a felicidade de trabalhar.
13 Papai, peço-lhe distribuir as poucas e pobres lembranças que eu tenha deixado. Isso me traria um certo alívio ao coração. Beije a mamãe por mim e prometo-lhes juízo e autocontrole por aqui. Desejo que tenham um filho exemplar no serviço em que me engajei por aqui, na vida compulsória para onde me trouxeram.
14 Penso que muitos assuntos ficam entre nós para outra vez. E, agradecendo a coragem que o seu coração e o da mãezinha estão demonstrando para encontrar-me, peço ao Divino Poder os recompense, com os familiares todos reunidos, sob as bênçãos da saúde e da paz, da coragem e da resignação.
15 Envio lembranças para os dois, com as muitas saudades e o abração do
Marcelo Toti
1 Pai-ê, estamos aqui de novo, para um abraço repartido com a mãezinha Helena.
2 E ainda com outra finalidade; clarear notícias: quando vim até aqui pela primeira vez, tentando sapear o que não conhecia, o tio Leopoldo foi claro: “Marcelo, comunicar-se em Uberaba precisa estudo.
3 “Você me colocar na posição de avô, tio-avô é sinônimo de vovô e não convém que você se espalhe com muita conversa difícil. Diga vovô Leopoldo e a sua ideia não se desfará.
4 “Você sabe, Paschoal avô n para cá e Paschoal irmão para lá, são duas correntes de pensamento a complicar o seu recado.”
5 Foi assim que a minha opção não seria outra. Estou sob a proteção do avô Leopoldo (agora não posso voltar atrás), e com a tia Zoraide, n e não tenho outra maneira de ser calmo, onde me vejo, repentinamente longe dos meus.
6 Essa história de morrer ainda vai dar muito pano para mangas. A mudança é tão fácil quão difícil e tão solene quanto simples.
7 Creio que as maiores complicações são daí mesmo. O cara volta para cá montado em moto e é muita gente a falar de imprudência, como se a nossa montaria pudesse fazer milagres.
8 Outros vem pelas saídas de um hospital n e comenta-se a suposta incapacidade do pessoal da medicina e da enfermagem. Inventam-se cascatas de injeções inadequadas ou se improvisam impressões inverídicas acerca dos diagnósticos e dos exames, qual se os médicos tivessem a obrigação de assegurar a vida de toda a comunidade.
9 Se o viajante é obrigado a se largar de algum carro combalido pelo tempo de uso, há quem se reporte a motoristas supostamente irresponsáveis, e os laudos, até mesmo de autoridades respeitáveis, passam a registrar se os velocímetros pararam com febre, acima de cem graus.
10 Se o distinto regressa para estas bandas por efeito de um projétil, as teorias de criminalidade açoitam o infeliz que usou o trabuco, até às gerações passadas.
11 E assim a morte é aquele monstro vestido de roxo, não se sabe até quando.
12 O que nos vale é que não há funerária e nem essa sem crucifixo, e em meio dessa barafunda fica o reconforto de se imaginar Jesus com a gente, dando um arre para os coitados que decolam do corpo imóvel para outras regiões.
13 Papai Américo e querida mãezinha Helena, me perdoem essas tiradas de menino observador, e digam a meu irmão que não o esqueci, assim também como já disse ao vovô Paschoal que não lhe omiti o nome, senão para melhorar o texto de minha carta de rapaz inexperiente para quem a lesse.
14 Com isso, creio que tive hoje coragem de fazer alguma crítica aos processos da chamada desencarnação na Terra.
15 Felizmente que não me falta humor para zombar construtivamente de tantos aparatos e tantos rituais, numa hora em que o morto imaginário precisa de calma e privacidade a fim de pensar melhor.
16 Hoje é só. Afinal, já escrevi até quase abusar.
17 Mas tenho ainda outro assunto. A vovó Violeta n tem me auxiliado muito com as preces e pensamentos de paz, e quero dizer-lhe que estou agradecido.
18 Papai Américo e mãezinha Helena, muito obrigado pela atenção.
19 E tchau. Muitos beijos e abraços do filhote que não se esquece do ninho,
Marcelo
Marcelo Toti
Nasceu Marcelo Toti em Uberaba, Minas Gerais, a 7 de março de 1965, aí desencarnando, em consequência de acidente automobilístico, n na madrugada de 11 de julho de 1982.
Filho do Sr. Américo Fleury Toti, distinto funcionário da Prefeitura Municipal, e de D. Helena Mouro Toti, residentes na Travessa José do Patrocínio, 14, fone: 034 3332 3550.
De início em companhia de seu irmão — Paschoal Toti Neto, nascido a 9 de setembro de 1961, engenheiro —, guiava carros, desde os 15 anos de idade.
Gostava de ajudar as crianças, tendo grande estima pelas pessoas idosas.
Alegre e comunicativo, cursava o 2.º período do Curso de Direito, na FIUBE.
Uma tia, D. Maria Inês, que mora em Araxá, Minas, na mesma noite do acidente, sonhou que a casa dos pais estava cheia de gente, tendo acordado preocupada e dizendo que algo de diferente deveria ter acontecido.
Tendo oportunidade de ler duas redações, dentre as que foram feitas na época do 3.º Colegial, constatamos que Marcelo escrevia muito bem, principalmente ao focalizar temas ligados às ideias materialistas e às diversas religiões.
Informaram-nos os senhores pais de Marcelo, em entrevista que nos concederam, em sua residência, a 15 de setembro de 1983, graças à gentileza da Professora Iris Fleury Dias, tia paterna do nosso autor espiritual, e do jovem amigo da família, Roberto Mendes Juliano, que ao visitarem o médium Xavier, pela primeira vez, amparados pela operosidade do Sr. Ariovaldo Santos, ouviram dele — Chico Xavier — que os pais do Sr. Américo, Sr. Paschoal e D. Maria, já desencarnados, estavam ao seu lado, mandando dizer que Marcelo estava bem, alegre e brincalhão que se mostrava.
Servindo-nos dos dados fornecidos pela Professora Sônia Barsante Santos (“A Volta de Marcelo”, O Triângulo Espírita, Uberaba, Dezembro/1982, n.º 52; 3ª fase), analisemos, inicialmente, a mensagem psicografada, exatamente três meses e dezoito dias após a desencarnação de Marcelo.
(Recebida a 29 de outubro de 1982)
1 — “Oi, Pai!”: Curioso é que Marcelo, ao transmitir a primeira mensagem, fez questão de usar a carinhosa expressão “oi, pai!”, que lhe era, inicialmente, habitual, todas as vezes que cumprimentava o genitor, e na segunda carta mediúnica usou “Pai-ê!”, que também passou a ser patrimônio seu, conforme nos explicou D. Helena, depois que o Programa de Chico Anísio, de que Marcelo gostava, lançou um personagem que trabalhava na TV, muito ligado ao pai.
2 — “Ainda assim, sou grato ao ensejo que me oferecem para que eu fale, e sou reconhecido ao seu interesse de pai que se desvencilha de tantos preconceitos por minha causa. E, agradecendo a coragem que o seu coração e o da mãezinha estão demonstrando para encontrar-me…” — Destinadas a católicos fervorosos quais o Sr. Américo e D. Helena, estas palavras de Marcelo são bastante expressivas, não obstante Allan Kardec tenha deixado claro que a Doutrina Espírita se destina aos profitentes de todas as religiões, para que se tornem mais humanos e melhores do ponto de vista moral, enriquecidos com os princípios da Terceira Revelação, dentro de seus respectivos arraiais religiosos.
3 — “Meu avô Leopoldo”: Sr. Leopoldo Fleury, tio-avô paterno, nascido em Frutal; Minas Gerais, a 30 de outubro de 1904, e desencarnado em Belo Horizonte, a 25 de janeiro de 1976.
(Recebida a 1.º de abril de 1983)
4 — Avô Paschoal: Sr. Paschoal Toti Filho, nascido em Uberaba, a 22 de agosto de 1892, e aí desencarnado a 5 de agosto de 1934.
5 — Tia Zoraide: Sra. Zoraide Brasil Fleury, nascida em Uberaba, e desencarnada em Belo Horizonte, a 19 de outubro de 1978.
6 — “Outros vem pelas saídas de um hospital e comentam-se a suposta incapacidade do pessoal da medicina e da enfermagem.” — Sobre o assunto, consultemos o item 4 do Capítulo 2, acima.
7 — Vovó Violeta: Sra. Violeta Fleury Dias, avó paterna, nascida em Frutal, Minas, e residente em Uberaba, à Praça Comendador Quintino, 7, fone: 034 3333 3349.
Que Jesus, o Divino Mestre, continue abençoando o Espírito de Marcelo Toti para que, dentro em breve, possa se transformar em mais um repórter do Além, lavrando o campo abençoado de socorro às criaturas desesperadas que buscam os médiuns espíritas à procura de consolo e de esperança!
Elias Barbosa
Segundo o Lavoura e Comércio (Ano LXXXIV, Número 21.233, de 12 de julho de 1982), o carro de Marcelo, um Gol bege, placa EB-8222, por volta das 3:45 horas, desgovernou-se e foi bater, violentamente num poste da Centrais Elétricas de Minas Gerais, existente na confluência da Avenida Leopoldino de Oliveira com a Fidélis Reis, tendo o seu ocupante desencarnado, poucos minutos depois, antes de chegar ao Hospital das Clínicas, hoje Hospital-Escola, para onde foi levado por amigos.