“A mensagem de minha filha, Maria Cecília Ferreira, recebida em Uberaba, a 23 de setembro de 1983, pelo nosso amado Chico Xavier, muito me beneficiou, pois veio ao encontro do que acredito: a existência da Vida espiritual. Sou espírita desde a infância. A alegria foi grande e veio reforçar a minha crença de que a morte não existe.” Esse foi o depoimento de Dª Nélida C. J. Ferreira, residente em São Paulo, Capital, expresso em carta recente, quando nos autorizou a incluir tal mensagem nesta obra.
Ela ainda nos afirmou feliz, saber que a filha, desencarnada em 27 de maio de 1983, “é uma trabalhadora na Seara do Cristo”, com base em cartas mediúnicas, posteriores, de autoria dela mesma.
Em sua minuciosa mensagem, Maria Cecília descreve a assistência carinhosa recebida no Além, pela bisavó materna Vicência, desencarnada em 1937, não conhecida nem de sua genitora, mostrando-nos que cada pessoa tem a sua família espiritual, e, portanto, somos amados por muitos corações que nos acompanham de Lá e que não conhecemos…
Maria Cecília casou-se aos 17 anos, teve uma filha aos 19, e aos 22 desquitou-se. Tal problema familiar é abordado, em sua carta, com palavras de equilíbrio, analisando, sabiamente, o desquite como “uma espécie de conta interrompida.”
1 Querida mãezinha Nélida, este é sem dúvida um grande momento para sua filha que lhe pede a bênção, como sempre, sem esquecer do papai Osvaldo.
2 Mãe, não é fácil descrever o que seja para mim a separação. Falar do acidente que me tomou todas as resistências, tanto quanto ao nosso amigo Vanderley é um problema cuja solução não me compete.
3 Não creio que os acidentados sejam relatores fiéis do que lhes aconteceu, porque o desastre é semelhante a faísca que nos fulminasse sem aviso prévio.
4 Estávamos despreocupados e trocando impressões com segurança e sobriedade, quando um choque tremendo nos estonteou a cabeça…
5 Tive a ideia de estender algum socorro ao amigo, no entanto, as minhas possibilidades de movimento estavam extintas. A visão se extinguira e mal conseguira ouvir exclamações aqui e ali, que não podia precisar quanto a procedência de que se originavam em nosso favor.
6 Sinceramente não me restou qualquer faixa de tempo para me dedicar à oração. O impacto de forças sobre mim era constrangedor, em excesso, para que eu pudesse destacar alguns momentos a qualquer comiseração, que não fosse o instinto de autodefesa que ainda me restava. 7 Perdoe-me se foi assim mas não posso faltar à lealdade para comigo mesma.
8 Penso que o desmaio compulsório em semelhante situação é acontecimento de qualquer pessoa que se veja nas circunstâncias em que eu me reconheci.
9 Apaguei-me por dentro de mim própria, e sei apenas que acordei num aposento arejado e confortável, supondo-me hospitalizada na Terra mesmo; 10 entretanto, a senhora que velava comigo, recebeu minhas perguntas ansiosas com tamanha paciência, que ali mesmo à frente dela, me reconheci numa outra existência, ou vitimada por algum acesso de alienação mental que me deixou atônita e infeliz…
11 Pouco a pouco, no entanto, aquela criatura meiga e tolerante, me recomendou chamá-la por vovó Vicência, e compreendi, num relance que me achava ausente da vida física.
12 Perguntei pelos pais queridos, por nossa querida Carla, e pelo nosso amigo Vanderley, e a todas as minhas inquirições, a vovó Vicência me forneceu minuciosas e amplas respostas.
13 Compreendo mãezinha querida, que já choramos em excesso e peço-lhe continue a me auxiliar com os pensamentos de paz e fortaleza de espírito.
14 Desnecessário dizer ao seu carinho, que já tomei consciência da posição da querida filhinha e do vazio que ela deixou em nosso ambiente. Reconheço, no entanto, que não nos seria lícito retirar do Francisco o direito de retê-la na condição de pai, já que a nossa vida em comum no casamento não mais me fora possível. A separação se consumara e rogo-lhe aceitar comigo o novo sistema de relacionamento que nos foi imposto. Peço-lhe, tanto quanto ao papai, não se desinteressarem da filhinha querida que lhes deixei por neta do coração, e pedirei a Jesus para que o Francisco nos entenda a saudade, e não se oponha ao relacionamento mais íntimo.
15 O desquite é uma espécie de conta interrompida, porque por mais que a gente procure esquecer isso ou aquilo, o filho ou os filhos, são vínculos da vida que não desaparecem. Hoje não sei se ofendi ao companheiro amigo, que um dia recebi por esposo, ou se ele experimenta a mesma dúvida que me aflora ao pensamento, mas se o nosso amigo conserva qualquer lembrança negativa a meu respeito, por dentro de mim rogo a ele que me considere liberada de qualquer falta involuntária.
16 O tempo fará uma compressa de esquecimento e tolerância recíproca nos corações machucados pela vida, ou feridos por nós mesmos, e Deus abençoará a nossa Carla para que ela cresça risonha e feliz.
17 Querida mãezinha Nélida, sei que o nosso irmão Vanderley foi acolhido por generosos parentes da família Flores, e espero que esteja mais forte do que eu própria, que ainda convalesço um tanto quanto vacilante, controlada pelas rédeas de minhas próprias lembranças dos pais queridos, da filhinha inesquecível e dos laços afetivos que deixamos sempre na retaguarda, quando a separação aparece. Agradeço, mamãe, suas preces em meu favor, e estou no propósito de melhorar-me na renovação espiritual, a fim de lhe ser útil.
18 Para as mães os filhos são sempre joias no cofre da alma, no entanto, pelas inquietações que lhe causei, peço-lhe que me perdoe, abençoando-me sempre. Quando a oportunidade surgir, beije nossa Carla por mim, e diga ao papai do meu reconhecimento de todos os instantes.
19 Não veja tristeza em minhas frases; estou consciente e íntegra, em meu otimismo e em minhas esperanças de que dias futuros serão melhores para nós.
20 Mãezinha querida, com todo o seu amor, reaqueça o coração de sua filha que ainda não se habituou com a ideia de que nos achamos distantes uma da outra.
21 Abrace-me, mãe querida, e diga que me ama, porque fora de sua abnegação não encontro agora mais fortes motivações com a vida. Conserve-me em seu caminho iluminado de perdão, e receba muitos beijos de sua filha, sempre sua
Maria Cecília
Maria Cecília Ferreira.
Notas e Identificações
1 - Papai Osvaldo — Osvaldo Ferreira, pai.
2 - Amigo Vanderley — Ultimamente, Maria Cecília vivia em companhia de Vanderley Flores Arrojo, desencarnado no mesmo acidente, na Capital paulista.
3 - Um choque tremendo nos estonteou a cabeça… — Na Radial Leste, da Capital paulista, o seu automóvel juntamente com outros dois ou três veículos, foram atingidos por um caminhão desgovernado, que entrou em pista contrária.
4 - Vovó Vicência — Vicência de Jesus, bisavó materna, desencarnada em São Paulo, a 27/5/1937.
5 - Querida Carla — Carla Ferreira de Mendonça, filha, atualmente com 10 anos. Estava no carro com sua mãe, no dia do acidente, mas não apresentou lesões muito graves, permanecendo hospitalizada por alguns dias.
6 - Francisco — Ex-marido.
7 - Pedirei a Jesus para que o Francisco nos entenda a saudade — O relacionamento familiar é bom. Atualmente, Carla reside com a madrinha e tia materna Ana Maria, mantendo contato, quase diário, com os avós maternos.
8 - O desquite é uma espécie de conta interrompida — Em face da Lei da Ação e Reação, ou Cármica, à luz da reencarnação, esta frase encerra profunda sabedoria, em concordância com esclarecimentos de Benfeitores Espirituais, dentre eles Emmanuel, que respondendo à pergunta: “Existem casos francamente insolúveis nos casamentos desventurados; não será o divórcio o mal menor para evitar maiores males?”, assim a elucidou: “Muitos dizem que o divórcio é válvula de escape para evitar o crime e não ousamos contestar. Casos surgem nos quais ele funciona, por medida lamentável, afastando males maiores, qual amputação que evita a morte, mas será sempre quitação adiada, à maneira de reforma no débito contraído.” (Leis de Amor, médiuns F. C. Xavier e W. Vieira, Edições FEESP, S. Paulo, 12ª ed., 1988, cap. IV, questão 8.)
9 - Maria Cecília Ferreira — Nasceu em São Paulo, a 12/4/1958. Nas atividades escolares, sempre se destacou pela sua inteligência e liderança. Era formada em decoração pelo Colégio São Vicente de Paulo. Já casada, fez curso de desenho na Escola Pro-Tec.
10 - PREMONIÇÕES — Dois meses antes do acontecimento, Dª Nélida sonhou que perdeu num acidente dois familiares (pai e marido) e viu uma criança envolvida em gaze, pedindo socorro. Após o acidente real, visitou Carla no hospital, toda enfaixada e suplicante: “— Fica comigo, vovó!”, com impressionante semelhança com o sonho. Ela já teve outros sonhos caracterizando pressentimentos. Na véspera do acidente, 5ª feira, os “sintomas premonitórios” foram intensos. Dª Nélida amanheceu angustiada e melancólica sem nenhum motivo. À tarde, quando esteve em Santos, chorou muito. Na 6ª feira, pela manhã, Maria Cecília combinou com sua mãe para deixar Carla consigo, depois das 18 horas, com vistas a um compromisso à noite. Porém, surpreendentemente, compareceu às 12:40 horas, “só para ver a mãe”. Estava com Carla, mas não quis deixá-la, apesar da sugestão de Dª Nélida, prometendo voltar mais tarde, como havia combinado naquela manhã. “Neste encontro inesquecível, trocamos olhares prolongados; ao sair, Cecília parou na porta e ainda voltou, e nos abraçamos longamente. Disse-lhe, acariciando seus cabelos: — Filha, eu te amo tanto. E ela respondeu-me com essas mesmas palavras. Chorei muito, inexplicavelmente; após essa despedida. Nunca poderia imaginar que estava, de fato, materialmente, despedindo-me de minha filha para sempre. Ela saiu de casa às 13 e o acidente ocorreu às 14:30 horas.” Entendemos que essas abençoadas premonições, supervisionadas por Benfeitores Espirituais, sob o manto da Justiça e Misericórdia Divinas, prepararam o íntimo de Dª Nélida, amortecendo o impacto da dura provação que a aguardava.
Hércio Marcos C. Arantes