— Minha filha, se algum dia você estiver com algum familiar ou alguém passando muito mal, não faça promessa para que Deus lhe dê vida, não. Diga o seguinte: Meu Deus, se for para felicidade dessa pessoa, para seu bem, dê-lhe vida! Caso contrário, que seja feita a Sua Vontade!
D. Vivita, quando recebeu este conselho de sua mãe, hoje uma sábia velhinha de 84 anos, nunca poderia imaginar que seis anos depois estaria dentro de um avião com um filho à beira da morte, e que este conselho lhe daria forças de sustentação. Ela esclarece:
— Dentro do avião eu tive muita força. Lembrei-me do conselho de minha mãe. Quis afastar essa lembrança, mas uma força maior disse-me: Faça o que sua mãe lhe ensinou. Então, com a mão no peito de meu adorado filho Evaldo, firmei o pensamento em Deus e disse baixinho: Meu Deus, meu Pai Todo Poderoso, se for para meu filho viver e ser feliz, dê-lhe vida, salve-o, eu Lhe imploro. Não sendo possível, que seja feita Sua santa Vontade! Nesse momento eu fui sentindo o coraçãozinho de meu filho diminuir as batidas, até a última. O piloto olhou para mim, eu fiz um sinal negativo com o dedo polegar para baixo, indicando que tudo estava acabado, sem que meu marido visse, com receio de que ele se sentisse mal. Só Deus mesmo para ajudar-me tanto. No dia seguinte, o aviador confessou-me: — A senhora é mulher de fibra, não se desesperou e eu tive cabeça para pilotar o avião.
Tarde ensolarada de 1º de junho de 1975.
Desde o dia anterior, quando houve uma festa de aniversário, a família de D. Vivita — seu esposo e filhos —, usufruía momentos felizes na fazenda de um casal amigo, distante 20 minutos de avião de Cáceres, cidade onde residiam, no Estado do Mato Grosso.
Evaldo, o menino mais velho, foi surpreendido pela sua mãe preparando-se para nadar no rio Paraguai. Ela já o havia alertado do perigo das arraias — peixes com caudas afiladas e providas de ferrões peçonhentos —, e o repreendeu:
— Meu filho, eu disse para você não nadar no rio. Se uma arraia lhe ferir, você vai morrer de dor.
E, num desabafo, ele respondeu:
— A senhora fica falando: você morre, você morre. Se eu morrer, depois quem vai ficar morrendo é a senhora.
A fazenda tinha muitos atrativos e Evaldo abandonou a ideia de nadar no rio. Mais tarde, calçado de botas, aproximou-se de um cavalo, quando um menininho da fazenda o alertou, dizendo que aquele animal era muito bravo, em fase de amansamento. Mas, Evaldo não tinha medo de animais, principalmente de cavalos. Adorava e dominava-os com facilidade. Apesar de contar apenas 13 anos de idade, seu pai o considerava melhor que muitos cavaleiros da fazenda. Aproximou-se com calma, acariciou, como se aquele animal fosse um velho conhecido. Não montou de início, pois uma tangerineira próxima, com frutas maduras no alto, atraiu a sua atenção. Dirigiu-se, então, para a árvore, puxando o cavalo, e logo em seguida, subiu nele para alcançar as tangerinas. Ao apanhá-las, escorregou e, na queda, introduziu uma perna na roda do laço, que fica preso no arreio. A sua queda assustou o animal que o arrastou por alguns metros, parando logo em seguida espontaneamente. Evaldo foi socorrido de pronto, não mostrando ferimentos graves, apenas escoriações nas costas, mas estava desfalecido, sendo levado às pressas de avião, para Cáceres, a cidade mais próxima. Em pouco mais de meia hora o menino era atendido no Pronto Socorro da cidade, quando o médico disse que nada mais podia fazer. Evaldo havia falecido no percurso.
Um menino expansivo e feliz
Evaldo Augusto dos Santos, filho do Sr. João da Silva Santos e D. Genoveva Augusto dos Santos — mais conhecida pelo apelido de Vivita, nasceu em 27 de novembro de 1961, na cidade de Goianésia, Estado de Goiás. Sempre foi um menino estudioso, muito alegre e comunicativo. Todas as suas fotos revelam um sorriso aberto e encantador. Na festinha da véspera do acidente, como sempre, expansivo e feliz, cantou a música sertaneja de sua predileção.
Desde tenra idade, ele demonstrou grande interesse e afeição aos cavalos. Mesmo lembrando-o filho de fazendeiro, esta afeição sempre foi fora-de-série.
Certa vez, sua tia Amália, desejando pintar, em pratinhos de porcelana, uma lembrança aos sobrinhos, perguntou a cada um qual o bichinho de preferência. Quando chegou a vez de Evaldo ele respondeu de pronto: “cavalo”. Nessa época ele estava com apenas 4 anos de idade.
D. Vivita recorda-se também que seu filho, quando tinha uns 6 anos, insistiu muito e conseguiu que sua mãe lhe fizesse companhia para assistirem a um filme de TV, já tarde da noite, sobre cavalos. Ela, não tendo o hábito de assistir a filmes pela televisão, teve de ceder à forte insistência de Evaldo, que acompanhou “El Blanco” até o fim, sem cochilar.
E, dentre outros fatos, relacionados com esse amor do nosso pequeno cavaleiro, temos a frase dita por ele, um mês antes do acidente fatal, em conversa descontraída com D. Irani, amiga da família, residente em Cáceres: “Se algum dia eu morrer no lombo de um cavalo, morrerei feliz.”
Em Uberaba, a busca de notícias do saudoso filho
Estávamos no Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, Minas Gerais, na tarde de 25 de abril de 1980, quando o médium Chico Xavier, que atendia a fila de pessoas que se forma habitualmente às sextas-feiras, chamou-nos para mostrar uns desenhos feitos por um garoto. Foi quando conheci D. Vivita, que estava diante do médium pedindo notícias do seu filho Evaldo, desencarnado há quase cinco anos.
Naquele momento, ela explicava que encontrou tais desenhos, uma semana depois do acidente que vitimou seu filho, feitos pela criança num dos seus cadernos escolares, em certo dia do mês de maio de 1975, no máximo um mês antes de sua desencarnação.
— Os desenhos são muito interessantes. Vamos torcer para que ele dê uma mensagem — afirmou Chico —, nada prometendo.
D. Vivita não deu nenhuma outra informação de sua família ao médium, agradeceu e afastou-se, permitindo que ele continuasse atendendo às demais pessoas da fila. Afastamo-nos também, continuando o nosso assunto fora do salão. Assentados num banco do pátio do Grupo Espírita da Prece, à sombra de uma árvore amiga, conversamos longamente. Ela havia chegado há poucas horas de Goiânia, com a grande esperança de receber notícias de seu inesquecível e querido filho.
— Perdi 18 quilos em dois meses. Sofri demais. Toda a família sofreu muito com a perda do nosso filho. E, seis meses após o acidente, mudamo-nos para Goiânia, a fim de evitar recordações que agravassem a nossa dor — foram as suas primeiras palavras.
— A senhora está hoje aqui pela primeira vez? — perguntamos.
— Sim. Mas, há muito tempo tenho tido vontade de vir. Minha família é católica, mas desde a perda de meu filho, orientada por amigos, tenho pensado em conversar com o médium Chico Xavier, esperando receber mensagem do meu filho.
Com o desenrolar da entrevista, em face dos atuais problemas que a família vinha atravessando e daqueles curiosos desenhos, fomos achando que Evaldo, mais hoje, mais amanhã, conseguiria uma oportunidade para se comunicar com sua mãe, e anotamos os dados com o maior zelo possível. Chegamos a orientar D. Vivita, quando nos disse que voltaria a Goiânia no dia seguinte, para que esperasse a reunião da noite próxima, do sábado, que ela ignorava, caso não recebesse mensagem na reunião de que participávamos.
Os demais esclarecimentos da mãe de Evaldo, nesse diálogo fraterno, permitiram a elaboração de tudo o que foi narrado, até aqui, neste Capítulo.
18 horas. Um companheiro chama-nos para a segunda etapa da reunião daquela sexta-feira, pois Chico Xavier já havia atendido a todos e tomava assento à mesa.
Como de costume, a reunião se desenvolveu até às primeiras horas da madrugada, quando, no final, o médium psicografou publicamente várias mensagens. Em seguida, iniciando a leitura das mesmas, por ordem de recebimento, chamou em voz alta a destinatária da primeira mensagem da noite:
— D. Genoveva!
Ela se aproximou, e muito emocionada — ouvindo palavras que traziam o selo inconfundível da autenticidade —, reencontrou-se, após cinco anos, com o seu querido filho Evaldo.
1 Querida mãezinha Genoveva. Peço a sua bênção de paz e amor.
2 E tudo passou tão depressa. A felicidade na Terra, querida mamãe, é um intervalo para que se conquistem forças para a continuação das tarefas por nosso burilamento. 3 Lembro-me do papai João, de nossas horas felizes na fazenda e na cidade, no convívio do lar e fico a pensar se alegria será preparação para a dor ou se a dor é a véspera de alegrias maiores. 4 Não quero dizer que estamos infortunados ou que somos vítimas de sofrimentos insuportáveis. Acontece que o tempo de que já disponho aqui na Vida Espiritual me ensinou a refletir e mentalizar para o bem da família inteira.
5 Peço-lhe calma e fé em Deus nos tempos que atravessamos. Se for possível, continue a senhora mesma, sem mudança, esposa de meu pai e nossa mãe em casa, vivendo na confiança de dias melhores. 6 Tudo está seguindo o curso natural das ocorrências que terminam em renovação e, de nossa parte, guardamos o dever de realizar o melhor ao nosso alcance, a fim de que a tranquilidade e a alegria se façam bagagem de luz para quantos nos cercam.
7 Lembre-se de mim mesmo. Sei que encontrou o meu desenho, (que poderá ser visto à pág. 16 do livro impresso) feito num instante de meditação. Meditação de menino, é verdade, e criação estruturada com as linhas de uma criança, pois vou contar-lhe agora o que sucedeu. 8 Semanas antes do acidente, que me impôs a caída do corpo físico, tive um sonho estranho, dormi e me reconheci na figura de um homem enérgico e autoritário. n Estava cercado de servos que me obedeciam, e de pessoas que me observavam com temor. 9 Cheguei a identificar o tempo. Achava-me numa tarde quente, descansando em larga varanda da fazenda, quando enxerguei de longe um servidor furtando laranjas. Não tive o cuidado de ponderar se esse homem havia tomado qualquer alimento durante aquele dia, ou se desejava socorrer alguma criança doente. 10 Irritei-me de tal modo que o chicote não me bastou para castigá-lo. Determinei fosse o pobre atado à cauda de um potro selvagem e ordenei que o animal o arrastasse pelo campo ainda não destocado. 11 Não me valeram súplicas e nem solicitações dele ou de ninguém. O infeliz, em breves minutos, apresentava-se na condição de um farrapo sangrento. 12 Quando os quadros me fixaram profundamente na memória, acordei espantado.
13 Passei o dia amargurado sem saber a razão, no entanto; as imagens do sonho me perseguiam. 14 Fiz então o desenho, não pensando em mim, mas no que vira, fora de meu próprio corpo, experimentando a necessidade de recordar o que havia observado, sem coragem de transmitir o ocorrido a pessoa alguma.
15 A vida se incumbiu de me mostrar que também um animal espantadiço estava à minha espera, que o desejo de apanhar uma tangerina me assomou à cabeça e o choque inesperado no animal me obrigou a cair e ser arrastado até perder o veículo físico que me servia de corpo para entrar na primeira juventude, aqui, na Vida Espiritual. 16 A vovó Amélia n se encarregou de me explicar tudo e aprendi, por mim mesmo, que os nossos gestos são vivos dentro de nós e quando esses gestos não se harmonizam com o bem que é a lei de Deus, somos compelidos a consertá-los, entendendo alguma coisa da vida.
17 Querida mãezinha, rogo-lhe paciência e coragem, serenidade e confiança. Não se impressione com notícias negativas que lhe venham de Goianésia. Não deixe o papai, a sós, com as responsabilidades da vida. Temos não só a Eliane que necessita de sua presença, mas também o Evelson e o Evandro, irmãos queridos aos quais peço me auxiliem na conquista da paz em nosso favor.
18 Mamãe querida, a mulher perdoa sempre. Não fosse pelo sacrifício das mães eu creio que o mundo seria uma selva sem traço de organização. 19 Esqueça desgostos e contratempos e guarde o seu coração querido na mesma altura da qual a senhora sempre nos ensinou a fazer o bem que nos seja possível. 20 Tenho procurado reconfortá-la, entretanto, sou eu quem recebo o amparo de sua bondade como sempre. Continuo sendo o seu filho, o seu menino que lhe tem tanto amor. Fique conosco sem alteração.
21 Ainda não estou tão forte que não necessite de sua paz a fim de permanecer tranquilo. Rogo-lhe serenidade, não só por mim, mas também por vovó Amélia e por vovó Anita n que são para seu filho outras mães pelo coração. 22 Espero em Deus que tudo dê certo, na soma de paz que anseio fazer com a reunião das parcelas de nossas provas. Sei que as suas parcelas são de lágrimas, no entanto, as lágrimas do coração materno significam perdão e amor. E, por isso, confio em que a nossa conta em família terminará em luz e bênção, segurança e alegria.
23 Mãezinha querida, não posso continuar escrevendo. Muitas lembranças aos irmãos e um grande abraço ao papai João.
24 Com o seu coração querido, deixo o coração de seu filho que lhe beija as mãos pedindo a Deus abençoá-la e fortalecê-la sempre.
25 Todo o amor do seu filho, sempre seu,
Evaldo
Evaldo Augusto dos Santos
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 — Mãezinha Genoveva (D. Vivita) e papai João — Já nossos conhecidos.
2 — Semanas antes do acidente, que me impôs a caída do corpo físico, tive um sonho estranho, dormi e me reconheci na figura de um homem enérgico e autoritário. — Assim ele inicia a descrição de seu sonho, que, na verdade, era uma recordação muito viva de cenas de uma vida anterior, quando cometeu uma falta grave, necessitando de uma reparação em nova existência física, em nova reencarnação, em face das determinações das Leis Divinas, invariavelmente justas e misericordiosas.
A bisavó Amélia (Espírito) encarregou-se de lhe explicar o porquê de tudo, e aprendi — diz ele —, por mim mesmo, que os nossos gestos são vivos dentro de nós e quando esses gestos não se harmonizam com o bem que é a Lei de Deus, somos compelidos a consertá-los, entendendo alguma coisa da vida.
Naquela noite do sonho, o seu corpo físico repousava, mas, num processo de desdobramento, Evaldo viu o seu passado longínquo, arquivado na memória do corpo espiritual; é o que podemos deduzir de suas palavras: Fiz então o desenho, não pensando em mim, mas no que vira, fora de meu próprio corpo, experimentando a necessidade de recordar o que havia observado. Dessa forma, ele recebeu uma grande bênção, evidentemente sob a assistência de Protetores Espirituais, que o prepararam para o resgate que se aproximava.
Podemos entender, agora, o porquê da grande e precoce predileção do garoto pelos cavalos, além de um domínio fácil, que chamava a atenção, sobre estes animais: Evaldo era um cavaleiro reencarnado. Digno de nota é que a informação de sua mãe a respeito de tais pormenores da vida dele — pequeno, mas grande cavaleiro —, foi-nos prestada numa entrevista que antecedeu ao recebimento da carta psicografada, que viria elucidar o seu passado.
Para um estudo dos palpitantes temas aqui abordados superficialmente — reencarnação e sonho, os livros: O Evangelho Segundo o Espiritismo (capítulo 4) e O Livro dos Espíritos (capítulos 4 e 8, da 2ª Parte), ambos de Allan Kardec, trazem esclarecimentos básicos e excelentes.
3 — Vovó Amélia — Amélia Josefina de Paiva, bisavó materna, desencarnada.
4 — Eliane, Evelson e Evandro — Irmãos.
5 — Vovó Anita — Anita Pereira dos Santos, avó paterna, desencarnada há mais de vinte anos.
6 — Finalizando estas Notas, queremos destacar, para a nossa meditação; dois trechos de atenciosas cartas que recebemos de D. Vivita:
A) “Estou enviando pelo Correio uma caixa com mensagens que mandei imprimir. São para o senhor e para Chico Xavier, de quem guardo profundo carinho e respeito: Seguem algumas coisas de meu filho que lhe prometi. Observe um cartãozinho antigo que ele escreveu ao pai, no Dia dos Pais; veja a semelhança da assinatura dele, com a psicografada pelo Chico Xavier, fiquei impressionada.” (Goiânia, 23/6/1980.)
B) “Não imaginas como estou me sentindo depois que recebi a mensagem. Graças a Deus já estou sentindo paz neste coração que há muito tempo andava tão aflito. Pretendo voltar a Uberaba, muito breve, se Deus o permitir. Até um dia, se Deus quiser e muito obrigada.” (Goiânia, 13/5/1980.)
Hércio Arantes
Meditações de menino
Poucas semanas antes do acidente fatal, Evaldo fez estes desenhos num dos seus cadernos escolares. No último desenho, talvez mostrando um despertar no Além, ele atribuiu à criatura no túmulo, com a cabeça erguida, a seguinte frase, aqui pouco legível: “Que barulho é este aqui?”