O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Esperança e vida — Autores diversos — F. C. Xavier / Carlos A. Baccelli


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Mestre e aprendiz

1 — Senhor, não seria justo apressar a vitória do Reino Divino entre as criaturas? O contato com a Boa-Nova aumenta-nos a sensibilidade e a visão espiritual… Agora, sinto no mundo verdadeiro vale de treva, cujos males precisamos sanar. 2 Tenho visto romanos enfurecidos contra mulheres e crianças, fariseus que exploram o minguado dinheiro das viúvas, sacerdotes que se tornam comerciantes indiretos no Templo e levitas desapiedados ocultando sentimentos perversos… 3 Por que não criar uma disciplina organizada para o nosso trabalho? E por que não invocar a proteção do Sinédrio para esse fim? Se a beleza da Boa-Nova estivesse garantida pela autoridade de Jerusalém…

4 Era Judas de Kerioth, em casa de Simão, dirigindo-se ao Mestre, visivelmente preocupado.

5 Jesus esboçou leve sorriso e ponderou:
— Sim, Judas, a vitória do Reino do Céu seria, no menor espaço de tempo, a fórmula ideal para o nosso objetivo na Terra; entretanto, não nos cabe desprezar a lei do amor e a promessa da esperança…

6 O discípulo sorriu, irônico, e observou:
— Amor e esperança constituem efetivamente dois astros brilhantes no Alto, mas estamos no chão duro, com refeições a horas certas e imperiosas necessidades. Não seria razoável solucionar, desse modo, certos problemas de ordem regimentar nos assuntos do espírito?

7 O Mestre, sem surpresa, pediu-lhe a apresentação de ideias mais amplas acerca de quanto pretendia, e Judas, desenrolando caprichoso pergaminho, acentuou, satisfeito:
— Tenho um programa que poderíamos talvez acrescentar aos antigos mandamentos. Creio que transformá-lo em lei rígida para os crentes novos será benefício dos mais substanciais, a fim de corrigirmos imperfeições e defeitos do nosso movimento.

8 Atendendo a silencioso sinal do Messias, o apóstolo passou à leitura da pequena documentação:
— Os seguidores do Evangelho serão constrangidos à obediência absoluta diante da Lei Antiga e dos Profetas. 9 E serão obrigados, sob pena de condenação, a dispor dos próprios bens, em favor da comunidade,  10 a prestar juramento de pobreza e simplicidade, 11 a viver na castidade perfeita,  12 a servir sem descanso nas obras do bem, 13 a fugir de todas as superficialidades do mundo, 14 a praticar a verdade, em todas as circunstâncias da vida,  15 a dividir o pão e o vestuário com o vizinho em penúria, 16 a perdoar sem exceção de faltas ou pessoas, 17 a atender passivamente aos chefes espirituais e materiais das ideias novas, 18 a se separarem dos parentes, sem lamentações, para servirem à fé, no lugar que se lhes indicar, 19 e a crerem no que se lhes impuser, sem indagação de qualquer natureza.

20 Depois de pequeno intervalo, o discípulo acrescentou:
— Os faltosos e recalcitrantes serão punidos com advertências e chibatadas, cárcere e expulsão, multa e banimento, conforme o critério da autoridade administrativa. Para isso, estabeleceremos um corpo de fiscais e cobradores, a fim de que todas as atividades de inteligência se realizem com segurança.

21 Porque o Mestre silenciasse, Judas, irrequieto, voltou à palavra, indagando:
— Senhor, que me diz do projeto?

22 — Excetuando alguns pontos que ferem a dignidade humana — respondeu Jesus, serenamente — o programa apresenta conteúdo valioso e orientador.

23 De olhos inflamados na cobiça do mando, o discípulo perguntou:
— Mestre, quando então executaremos as novas ordens? Não seria importante começar desde já?

24 O Cristo, na expressão melancólica que muitas vezes lhe era característica, deixou que alguns momentos se escoassem vagarosos, sobre a inquirição do aprendiz, e falou afinal:
— Judas, pretendes criar uma disciplina que constranja nossos afeiçoados e companheiros à obediência, à humildade, à castidade, à cooperação, à pobreza e à caridade obrigatórias, mas poderás afirmar, de acordo com a reta consciência, que semelhantes virtudes estejam resplandecendo em teu coração?

25 Amarelo no desapontamento que lhe assomou ao espírito, o interpelado balbuciou:
— É verdade, Senhor… ainda estou longe do padrão recomendável…

26 Jesus afagou-o e ponderou:
— Então, por que exigir dos outros o que não lhes podemos dar? Não será o mesmo que pedir frutos à terra que ainda não recebeu a sementeira?

27 E, depois de curta pausa, acentuou:
— As ovelhas doentes ou infelizes merecem mais cuidado por parte daquele que dirige o rebanho.

28 Nesse instante, Judas se queixou de grande perturbação nos ouvidos e retirou-se, de repente, alegando estar na hora inadiável de se medicar.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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