O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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E a vida continua… — André Luiz


9

Irmão Cláudio

(Sumário)

1. Finda a aula e, recomendados pela senhora Tamburini, que não pudera acompanhar a reunião, Fantini e a senhora Serpa se demoraram em companhia do Irmão Cláudio, que os recebeu carinhosamente na intimidade.

2 Não residia ali, explicou.

O Instituto desdobrava serviços em todo o prédio, ocupando-lhe as dependências. 3 Ainda assim, que os amigos se sentissem convidados para alguns dedos de prosa, em casa, onde, junto da esposa, teria prazer em recebê-los. Já que a senhora Tamburini o indicara, como sendo um explicador capaz de prestar-lhes informes, em torno de problemas que reputavam importantes, punha-se-lhes à disposição para atender no que lhe fosse possível, conquanto se reconhecesse inabilitado a satisfazer como desejaria.

4 Tudo isso era dito, cortesmente, em recinto enluarado, no jardim da instituição, onde pequenos grupos de estudantes se espalhavam, aqui e além.

5 Ladeando mesa fixa, conversava o trio, animadamente. Tão grande e tão manifesta a familiaridade em pauta, que nada faria supor estivesse integrando um quadro que não fosse essencialmente terrestre. Em razão disso, não obstante a fisionomia cismativa de Ernesto, exprimindo incerteza e ansiedade, via-se Evelina senhora de si, absolutamente convencida de que se achava num recanto autêntico do mundo que sempre lhe fora habitual.

6 — Compreendo que se proponham a saber algo da nova residência, — expôs Irmão Cláudio, imperturbável, — porquanto a irmã Celusa Tamburini notificou que estão ambos despertos no hospital, de alguns dias para cá.

— Sim, é bem isso, — confirmou Ernesto, — e somos gratos pela atenção que nos dispensa.

7 — Professor, — interveio a senhora Serpa, confiante, — são tantos os comentários absurdos que já ouvimos, em nossos poucos dias de contato com o novo meio, que, de minha parte, estimaria estar informada se dispomos da liberdade de perguntar ao senhor tudo, tudo o que nos causa espécie…

— Oh! Claramente. Indaguem tudo, embora não me veja capaz de a tudo responder.


2. Convocado a exprimir-se pelo olhar percuciente do amigo, volveu Ernesto à palavra:

2 — Evelina, quanto me ocorre, tem o espírito dominado por uma questão capital. Isso lhe parecerá, talvez, uma criancice de doentes mentais, que, às vezes, temos ambos a impressão de ser, mas temos escutado, em circunstâncias diversas, a afirmativa de que somos mortos em recuperação num ambiente que não mais pertence aos homens de carne e osso… 3 A princípio, rimo-nos francamente, categorizando isso à conta de grossa tolice; entretanto, as opiniões se avolumam. A própria senhora Tamburini está certa de que já cruzamos as fronteiras da morte, como quem vara uma noite de sono… Que nos diz a isso, professor?

4 Irmão Cláudio esboçou significativa expressão facial, em que a admiração se misturava à piedade e obtemperou, sem cerimônia:

— Estarão vocês em condições de acreditar em minha palavra, se lhes ratificar a notícia de que respiramos em plena Esfera Espiritual?

— Mas, professor… — Clamou Evelina, lívida.

5 — Entendo, — certificou ele, sorrindo, — a senhora, muito mais que o nosso irmão Ernesto, opõe firme recusa mental à verdade, à vista de suas convicções religiosas, louváveis mas provisórias, convicções que jazem solidamente estruturadas em seu espírito… Apesar de tudo, porém, tenho a obrigação de assegurar-lhes que não mais pisamos a Terra que nos era comum e sim um departamento da Vida Espiritual.

6 E ela:

— Meu Deus, como pode ser isso?

— Irmã Evelina, trabalhe com a própria mente. Se não abordássemos a Crosta Planetária pelo regaço materno, com o período da infância, logo após, constrangendo-nos a longos serviços de readaptação, não seria a mesma coisa?


3. — Mas, a Terra… eu conheço.

— Puro engano. 2 Classificamos a paisagem terrestre e os pertences que lhe dizem respeito, submetidos aos conceitos de quantos estiveram nela antes de nós, ocorrendo análogas circunstâncias no ambiente a que nos acolhemos agora, e onde contamos com geólogos e geógrafos eméritos… 3 Na realidade, porém, tanto lá quanto aqui, conhecemos, na essência, muito pouco acerca do meio em que vivemos. Em suma, analisamos e reanalisamos coisas e princípios que já encontramos feitos…

4 — Entretanto, no mundo, como entendemos o mundo, guardamos a certeza de permanecer sobre bases de matéria sólida…

— Irmã Evelina, quem lhe disse que não moramos lá, na arena terrestre, detidos igualmente num certo grau da escala de impressão do nosso Espírito eterno? 5 Qualquer aprendiz de ciência elementar, no Planeta, não desconhece que a chamada matéria densa não é senão a energia radiante condensada. 6 Em última análise, chegaremos a saber que a matéria é luz coagulada, substância divina, que nos sugere a onipresença de Deus.

7 — O senhor quer afirmar mesmo que não estamos agora domiciliados no Plano físico? — Voltou Fantini a manifestar-se.

— Chame-se a este mundo em que existimos, neste momento, “outra vida”, “outro lado”, “região extrafísica” ou “Esfera do Espírito”, estamos num centro de atividade tão material quanto aquele em que se movimentam os homens, nossos irmãos ainda encarnados, condicionados ao tipo de impressões que ainda lhes governam, quase que de todo, os recursos sensoriais. 8 O mundo terrestre é aquilo que o pensamento do homem faz dele. Aqui, é a mesma coisa. A matéria se resume a energia. Cá e lá, o que se vê é a projeção temporária de nossas criações mentais…


4. — Então, morrer?!… Qual a novidade em torno disso? Qual o maior interesse em nos reconhecermos redivivos?

— As incógnitas da vida exterior, com os desafios que lhe são resultantes, são as mesmas; entretanto, se a criatura aspira efetivamente a realizar uma tomada de contas encontra neste novo mundo surpresas, muito fascinantes, no estudo e redescoberta de si mesma. Somos, cada um de nós, um astro de inteligência a perquirir… e a aperfeiçoar por nós próprios.


5. Ernesto sustentou o interrogatório:

2 — Todos os mortos estarão em todos os lugares da Terra, em condições idênticas às nossas?

3 — Impossível. Revejamos, superficialmente, a Humanidade encarnada em si e perceberemos algo do assunto. Contamos na Terra, de onde somos egressos, milhões de pessoas sensatas e espiritualmente desequilibradas, sadias e enfermas, instruídas e ignorantes, relativamente sublimadas e outras tantas ainda excessivamente animalizadas, confiantes e descrentes, amadurecidas na evolução ou iniciantes nela. 4 Impraticável categorizá-las, depois da morte, segundo um critério exclusivo. Cada qual estará em seu grupo e cada grupo em sua comunidade ou faixa de afinidades. Nada fácil padronizar as situações dos Espíritos desencarnados. 5 Basta recordar que 150.000 pessoas, aproximadamente, por dia, saem da circulação do ambiente físico, n na média flutuante de 100 por minuto, largando afetos, realizações, compromissos, problemas… 6 Ora, todos são filhos de Deus e recebem de Deus atenções e providências, análogas do ponto de vista do amor com que somos envolvidos na Criação, embora diversas nos modos múltiplos em que se exprimem. 7 Razoável reconhecer que por muito se enfeitem, externamente, com as honras que lhes são prestadas pelos entes queridos, quando se despedem do mundo, os homens, quaisquer que sejam, chegam aqui como são… 8 Porque hajam desencarnado, o louco não adquire o juízo, de um dia para outro, e nem o ignorante obtém a sabedoria por osmose. 9 Depois da morte, somos o que fizemos de nós, na realidade interna, e colocamo-nos em lugar compatível com as possibilidades de recuperação ou com as oportunidades de serviço que venhamos a demonstrar.

10 — Estamos diante de trabalho imenso… — Anotou Fantini, espantado.

— Sim, no mundo dos homens, uma criatura não se modifica, de improviso, por haver atravessado o oceano, de um continente para outro… Acontece o mesmo, nos domínios do Espírito.


6. — Há tempos, — sublinhou Ernesto, — li mensagens de entidades desencarnadas, merecedoras de crédito, relacionando os sofrimentos e conflitos que experimentaram em regiões inferiores, individualidades, aliás, que me pareceram senhorear largo patrimônio de recursos intelectuais.

2 Nada de admirar. Por imposição de nossas necessidades, nós mesmos estamos residindo em zona dessas, na vizinhança das criaturas encarnadas.

3 — Refiro-me às regiões tenebrosas ou infelizes, relativamente às quais ouvi tantas dissertações e onde se desarvoram tantos irmãos nossos…

— Fantini, precisamos certificar-nos, — clareou o mentor, — de que esses lugares não são infelizes, de vez que infortunados são os irmãos que os povoam… Os jardins e pomares que enriqueçam um manicômio deixarão de ser jardins e pomares porque existam enfermos a desfrutar-lhes as emanações nutrientes?

— ?… n

4 — Pois é, meu caro, as áreas do Espaço, às vezes enormes, ocupadas por legiões de criaturas padecentes ou desequilibradas, estão circunscritas e policiadas, por maiores que sejam, funcionando à maneira dos sítios terrestres, utilizados por grandes instituições para a recuperação dos enfermos da mente. 5 Você não ignora que existem doentes da alma, consumindo larga faixa da existência nos hospícios acolhedores da Terra. Isso acontece aqui também. 6 Ladeando o nosso vilarejo, temos vasto território, empregado no asilo a irmãos desajustados, aos milhares, mantidos e vigiados por muitas organizações de beneficência, que trabalham no socorro fraternal.


7. Evelina, que não acreditava no que ouvia, objurgou, insatisfeita:

2 — Mas… se nos achamos num Plano espiritual, que dizer das construções sólidas, vinculadas à arquitetura terrestre, com que somos defrontados?

— Nenhum espanto, quando ponderarmos que os edifícios no mundo dos homens nascem do pensamento que os esculpe e da matéria que obedece aos projetos elaborados. 3 Aqui verificamos o mesmo processo, diferindo apenas as condições da matéria, que se evidencia mais intensivamente maleável à influência da ideia dominante. 4 Reflitamos no progresso da indústria de plásticos, na atualidade do Plano físico de onde viemos e perceberemos, com mais segurança, as possibilidades imensas para as edificações delicadas e complexas em nosso domicílio de agora. 5 Naturalmente, também aqui estamos subordinados ainda às técnicas, às vocações, às competências pessoais e às criações estilísticas, no círculo das conquistas espirituais de cada um. 6 O arquiteto que planeia uma casa e o obreiro que lhe cumpre as ordens, não servirão, de imediato, em lugar do diretor da manufatura de tecidos e do operário que lhe atende as determinações. 7 Ainda aqui, o escritor não faz a obra do músico, em ação de improviso. Somos criaturas em evolução, sem havermos atingido ainda a posição dos gênios polimorfos, apesar de esses gênios existirem igualmente aqui.

8 A senhora Serpa não conseguia ocultar a incredulidade.

— Tudo parece inverossímil, — asseverou.

9 — Nada se nos afigura mais inverossímil que a verdade, — objetou Irmão Cláudio; — no entanto, porque prefiramos, por muito tempo, a ilusão em lugar dela, a realidade não deixa de ser o que é.


8. O professor discorreu, ainda, por dilatados minutos, referentemente à vida e às condições da estância em que se demoravam, mas, por fim, Evelina se viu entontecida, fatigada, provisoriamente inabilitada a mais amplas ilações, e, moça de fé profunda, valeu-se de um intervalo na conversação, procurando saber:

2 — Irmão Cláudio, não posso duvidar de suas afirmações, embora me custe a crer que estamos na posição de pessoas desencarnadas, conforme as suas expressões. Esteja certo de que não desejo perder, de modo algum, a sua orientação; contudo, gostaria de tomar contato com um sacerdote, um padre católico, por exemplo…

3 Ficaria feliz se pudesse entregar-me à prática da confissão, permutar ideias livremente com um diretor da fé que me formou o caráter, sem qualquer constrangimento da vida social…

4 O amigo bondoso sorriu compreensivo e esclareceu: — A Igreja aqui está positivamente renovada, posto que possamos encontrar representantes de todas as religiões terrestres, aferrados a dogmas, concepções estreitas, preconceitos e tiranias diversas do fanatismo, nas áreas vizinhas em que se congregam milhares e milhares de inteligências rebeldes e perturbadas. 5 Aqui, propriamente, os sacerdotes não a ouviriam em confissão de natureza religiosa. Enviá-la-iam a um dos nossos institutos de psiquiatria protetora, em que a irmã pode e deve ter a sua ficha para receber a assistência necessária…

6 — Para tratamento? — Aparteou Fantini.

— Tratamento e auxílio. 7 Uma carteira de identificação para serviços de amparo e análise, numa casa de supervisão espiritual das que me refiro, é valioso documento para que não estejamos aqui, nos primeiros tempos de adaptação, num lugar intermediário entre Planos inferiores e superiores, sem a assistência justa. É indispensável nos poupemos, tanto quanto possível, a dissabores desnecessários.

8 — Oh! — Exclamou Ernesto, entusiasmado, — esse tipo de confissão me interessa… Se estamos mortos…

9 — O seu se, — obtemperou o mentor bem-humorado, — demonstra que você e Evelina me consideram um contador de histórias inverídicas… Vocês ambos estão desencarnados com raízes pregadas no chão da Terra; todavia, isto é natural. Aguardemos o tempo.

10 Em meio de puras vibrações de confiança e simpatia, a senhora Serpa e o amigo solicitaram o apoio do mentor, a fim de que pudessem realizar contatos com alguma das instituições psiquiátricas da cidade, ficando estabelecido que atenderiam a isso, tão logo a administração do hospital o consentisse.


André Luiz



[1] [À época em que esse livro foi escrito, em abril de 1968.]


[2] [Sinal de interrogação muda.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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