O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Entre a Terra e o Céu — André Luiz


9

No Lar da Bênção

(Sumário)

1. Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.

Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.

2 Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.

— É o Lar da Bênção, — informou o instrutor, satisfeito. — Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados. Temos aqui importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da Esfera carnal.

3 O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.

Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.

Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraídas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:

— Marcos! Marcos!…

— Mãezinha! Mãezinha!… — Respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.

4 Clarêncio fez sinal para as irmãs vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes proteção e carinho para as nossas associadas de excursão, e disse-nos, em seguida:

— O pequeno Júlio não se encontra no grupo. Ainda sofre anormalidades que lhe não permitem o convívio com as crianças felizes. Acha-se no lar da irmã Blandina. Rumemos para lá.


2. Em poucos minutos, chegávamos diante de pequenino castelo muito alvo, em que se destacavam as ogivas azuis, coroadas de trepadeiras em flor.

2 Atravessamos extenso jardim, embalsamado de aroma.

Rosas opalinas, ignoradas na Terra, de mistura com outras flores, desabrochavam profusamente.

3 A irmã Blandina recebeu-nos sorridente, apresentando-nos uma senhora simpática que lhe fora avozinha no mundo.

Mariana, nossa nova amiga, cumprimentou-nos, bondosa.

Findas as saudações usuais, Clarêncio tocou, direto, no assunto.

Desejávamos avistar o pequeno Júlio, que havia desencarnado por afogamento.

4 Blandina, que em plena juvenilidade trazia nos olhos os característicos de sublime madureza de espírito, respondeu gentilmente:

— Ah! Com muito prazer!

5 E, encaminhando-nos a iluminada peça, ornamentada de róseos enfeites, onde um menino repousava num leito muito branco, explicou, sem afetação:

— Nosso Júlio, até hoje, ainda não se refez completamente. Ainda grita sob pesadelos inquietantes, como se estivesse a sofrer sob as águas. Chama pelo pai constantemente, apesar de parecer mais receptivo ao nosso carinho. Insiste pela volta a casa, todos os dias.

6 Acercamo-nos do berço largo em que descansava.

O menino lançou-nos um olhar de atormentada desconfiança, mas, contido pela ternura da irmã que o assistia, permaneceu mudo e impassível.

— Ainda não se mostrou em condições de partilhar os estudos com os outros? — Perguntou o Ministro, interessado.

— Não, — informou a interpelada, solícita, — aliás, os nossos benfeitores Augusto e Cornélio, que nos amparam frequentemente, são de parecer que ele não conseguirá adquirir aqui qualquer melhora real, antes da reencarnação que o aguarda. Traz a mente desorganizada por longa indisciplina.

7 Bem humorada, acrescentou:

— É um paciente difícil. Felizmente, dispomos da cooperação de nossa devotada Mariana, que o adotou por filho espiritual, até que retorne ao lar terrestre. Foi preciso segregá-lo neste quarto, tamanha é a gritaria a que se entrega por vezes.

8 — Mas não tem recebido o tratamento magnético aconselhável? — Indagou Clarêncio, atencioso.

— Diariamente recebe o auxílio necessário, — esclareceu Blandina, com humildade, — eu mesma sou a enfermeira. Passes e remédios não faltam.

9 — E a irmã conhece o caso em suas particularidades?

— Sim, conheço. Eulália tem vindo até nós. Lastimo que a mãezinha de nosso doente não esteja em condições de ampará-lo. Creio que o concurso dela poderia insuflar-lhe novas forças. Entretanto, com exceção da irmãzinha que se lembra dele nas orações, ninguém mais da família o ajuda.

10 — Mãezinha! Mãezinha!… — clamou o pequeno, em voz rouca, erguendo-se e enlaçando Blandina, pálido e inquieto.

— Que te incomoda, meu filho?

— Dói-me a garganta… — lamentou-se o rapazinho.

11 A jovem benfeitora abraçou-o, osculando-lhe os cabelos, e recomendou:

— Não te aflijas. Como é que um moço de teu valor pode chorar, assim por nada? Imagina! Temos três médicos em casa. É impossível que a dor não fuja apressada.

12 Logo após, sentou-o numa poltrona e solicitou a colaboração de Clarêncio.

O Ministro, cuidadoso, pediu-lhe abrisse a boca e, surpreendidos, notamos que a fenda glótica, principalmente na região das cartilagens aritenóides, apresentava extensa chaga.

13 O orientador aplicou-lhe recursos magnéticos especiais e, em poucos instantes, Júlio voltou à tranquilidade.

— Então? — Falou Blandina, amparando-o, afetuosa, — onde está agora a garganta dolorida? E, visivelmente satisfeita, acrescentou:

— Já agradeceste ao nosso benfeitor, meu filho?

14 O menino, hesitante, caminhou para o Ministro, beijou-lhe a destra com respeitoso carinho e balbuciou:

— Muito agradecido.

Blandina ia dizer algo, mas Júlio correu para o seu regaço, choramingando:

— Mãezinha, tenho sono…

15 A abnegada jovem acolheu-o, com ternura, reconduzindo-o ao repouso.

Quando tornou à sala, Clarêncio informou que doara ao enfermo energias anestesiantes. Notara-o fatigado, resolvendo, por isso, induzi-lo ao descanso.

16 E, talvez porque nos percebesse o cérebro esfogueado de indagações, quanto àquela minúscula garganta ferida, depois da morte do corpo, o Ministro explicou:

— É pena. Júlio envolveu-se em compromissos graves. Desentendendo-se com alguns laços afetivos do caminho, no século passado, confiou-se a extrema revolta, aniquilando o veículo físico que lhe fora emprestado por valiosa bênção. Rendendo-se à paixão, sorveu grande quantidade de corrosivo. Salvo, a tempo, sobreviveu à intoxicação, mas perdeu a voz, em razão das úlceras que se lhe abriram na fenda glótica. 17 Ainda aí, não se conformando com o auxílio dos colegas que o puseram fora de perigo, alimentou a ideia de suicídio, sem recuar. Foi assim que, não obstante enfermo, burlou a vigilância dos companheiros que o guardavam e arrojou-se a funda corrente de um rio, nela encontrando o afogamento que o separou do envoltório carnal. Na vida espiritual, sofreu muito, carregando consigo as moléstias que ele mesmo infligira à própria garganta e os pesadelos da asfixia, até que reencarnou, junto das almas com as quais se mantém associado para a regeneração do pretérito. Infelizmente, porém, encontra dificuldades naturais para recuperar-se. Lutará muito, antes de incorporar-se a novo patrimônio físico.

18 Registávamos aqueles apontamentos com dolorosa admiração. Uma criança doente é sempre um espetáculo comovedor.

Não nos atrevíamos a manifestar nossos pensamentos de estranheza, todavia, o prestimoso amigo, assinalando-nos decerto as dúvidas, acentuou:

19 — Há poucos instantes, comentávamos a sublimidade da Lei. Ninguém pode trair-lhe os princípios. A Bondade Divina nos assiste, de múltiplas maneiras, amparando-nos o reajustamento, mas em todos os lugares viveremos jungidos às consequências dos próprios atos, de vez que somos herdeiros de nossas próprias obras.

20 O assunto constituía preciosa sugestão para interessantes estudos, mas, antes de enunciar qualquer pergunta, busquei aspirar, a longos haustos, as baforadas frescas de vento, que carreavam para o recinto vagas sucessivas de agradável perfume.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir