1 Meu querido pai, minha querida Maria José, nossa querida Zezé, n meu bom irmão Antônio Garcia, n rogo a bênção de Deus em nosso favor.
2 Venho pedir aos meus para que não chorem assim com tanta mágoa.
3 Há quase dois anos, a lei de Deus me trouxe para a vida nova, mas, querida irmãzinha, seu mano está preso, preso às aflições em casa.
Não chorem mais com essa dor que mais nos parece um braseiro no coração.
4 Querida Maria José, preciso de sua conformação junto da mãezinha Laura n e de meu pai.
5 Naquele dia de agosto, eu devia passar por Mogi-Mirim, alcançando a Anhanguera perto de Limeira, mas entendi que por Mogi-Guaçu n seria um atalho e a viagem seria de menor tempo e arrisquei. Saí de Itapira n alegre, mas tudo aconteceu como devia acontecer. 6 Querida irmã, tudo aquilo que não depende de nós e que sucede contrariamente aos nossos desejos, vem da lei de Deus. 7 Quando o choque dos veículos me abateu, senti-me num sono profundo e só acordei quando ouvi que me chamaram em casa, com muitas lamentações. 8 A princípio, nada compreendi. Parecia-me num sonho-pesadelo, mas o amparo do vovô Manoel n que me acolheu carinhosamente era para mim um socorro que não sabia como receber. 9 Não conhecia as pessoas no começo de meu novo caminho, pois tive a ideia de me achar num hospital do mundo, no entanto, aos poucos, meu avó Manoel e a vovó Gabriela n me esclareceram.
Desde então, estou lutando muito para retornar à tranquilidade.
10 Estou ligado à nossa casa por fios que desconheço e hoje que sou trazido a lhes dar notícias, rogo as preces da conformação e da fé em Deus, em meu auxílio.
11 Zezé, minha querida irmã, peço a você fazer este meu pedido, finalmente à nossa Regina. Em verdade, os nossos sonhos de noivado se desfizeram na Terra, mas acima de tudo, somos irmãos. Nossa querida Regina é uma criatura admirável e logo que eu estiver tranquilo, tentarei colaborar para vê-la feliz. n
12 Aí, não somos preparados na Terra para enfrentar o problema da vinda para cá. 13 Penso que a falta de conhecimento coloca noventa por cento de dificuldades nos problemas que a morte do corpo nos obriga a aceitar.
14 Papai amigo n e querida irmã, como peço igualmente a você, meu caro Garcia, ajudem-me com as orações da esperança e lembrem-se de que ninguém morre.
15 Nossos familiares nos auxiliam tanto em nossas doenças e provações do mundo… Por que não nos auxiliarem na renovação em que nos vemos, nós, os que perdemos uma estrada para entrarmos em outra?
Tenham confiança em Deus e amparem-me.
16 Estou precisando muito da paz em vocês para encontrar a paz em mim. Estarei com vocês nas orações. 17 Vovó Gabriela, aqui comigo, abraça-os e eu, querido pai e querida irmã, lembrando a mãezinha e todos os nossos, deixo-lhes nestas escritas o coração reconhecido de filho e de irmão que pede a Jesus nos fortaleça e nos abençoe.
João Jorge
Antes que passemos ao estudo da mensagem a que demos o título de “Sonhos de Noivado Desfeitos na Terra”, vejamos o que diz a questão 936 de O Livro dos Espíritos: ( † ) n
“— Como as dores inconsoláveis dos sobreviventes afetam os Espíritos que lhe são objeto?
— O Espírito é sensível à lembrança e aos lamentos daqueles que amaram, mas uma dor incessante e irracional o afeta penosamente, porque ele vê nessa dor excessiva uma falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao progresso, e, pode ser, ao reencontro.”
O Espírito, estando mais feliz no Além que na Terra, naturalmente dispensa lamentações.
Dois amigos são prisioneiros e encerrados no mesmo cárcere prossegue Kardec ( † ) — ambos devem um dia readquirir a liberdade, mas um deles a obtém antes do outro. Seria caridoso, àquele que fica, descontentar-se porque o amigo seja libertado antes dele? Não haveria mais egoísmo que afeição em semelhante atitude?
Em seguida, anotemos um capítulo da Revista Espírita — Primeiro Ano — 1858 n — “Evocações Particulares”, — ao qual Allan Kardec deu o título de “Mamãe, aqui estou!”: ( † )
“A Sra. XXX havia perdido, meses antes, a filha única, de quatorze anos, objeto de toda sua ternura e muito digna de seus lamentos, pelas qualidades que prometiam torná-la uma senhora perfeita. A moça falecera de longa e dolorosa enfermidade. Inconsolável com a perda, dia a dia a mãe via sua saúde alterar-se e repetia incessantemente que em breve iria reunir-se à filha. Informada da possibilidade de se comunicar com os seus de além-túmulo, a Sra. XXX resolveu procurar, na conversa com a filha, um alívio para a sua pena. Uma senhora de seu conhecimento era médium; mas, pouco afeitas uma e outra a semelhantes evocações, principalmente numa circunstância tão solene, pediram-me assistência. Éramos três: a mãe, o médium e eu. Eis o resultado dessa primeira sessão.
A Mãe: “Em nome de Deus Todo-Poderoso, Espírito de Júlia, minha filha querida, peço-te que venhas, se Deus o permitir.”
Júlia: “Mamãe, aqui estou!”
A Mãe: És tu, minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?
Júlia: Lili. (Era o apelido familiar, dado à moça em sua infância. Nem o médium o sabia, nem eu, pois há muitos anos só a chamam Júlia. Com este sinal a identidade era evidente. Não podendo dominar sua emoção, a mãe rebentou em soluços).
Júlia: Mamãe, por que te afliges? Eu sou feliz, muito feliz. Não sofro mais e vejo-te sempre.
A Mãe: Mas eu não te vejo! Onde estás?
Júlia: Aí a teu lado, com a minha mão sobre a Sra. X (o médium) para que escreva o que te digo. Vê a minha letra ( A letra era realmente a da moça).
A Mãe: Tu dizes: minha mão. Então tens corpo?
Júlia: Não tenho mais o corpo que tanto me fez sofrer; mas tenho a sua aparência. Não estás contente porque não sofro mais e porque posso conversar contigo?
A Mãe: Se eu te visse reconhecer-te-ia então?
Júlia: Sim, sem dúvida; e já me viste muitas vezes em teus sonhos.
A Mãe: Com efeito, eu te revi nos meus sonhos; mas pensei que fosse efeito da imaginação; uma lembrança.
Júlia: Não; sou eu mesma, que estou sempre contigo e te procuro consolar; fui eu quem te inspirou a ideia de me evocar. Tenho muitas coisas a te dizer. (…)
A Mãe: Estás entre os anjos?
Júlia: Oh! ainda não: não sou bastante perfeita.
A Mãe: Entretanto, não te conhecia nenhum defeito; eras boa, meiga, amorosa e benevolente para com todos. Então isto não basta?
Júlia: Para ti, mãe querida, eu não tinha defeitos, supunha eu, pois mo dizias tantas vezes! Mas agora vejo o que me falta para ser perfeita.
A Mãe: Como adquirirás essas qualidades que te faltam?
Júlia: Em novas existências, que serão cada vez mais felizes.
A Mãe: É na Terra que terás novas existências?
Júlia: Nada sei a respeito.
A Mãe: Desde que não fizeste o mal em tua vida, por que sofreste tanto?
Júlia: Prova! Prova! Eu a suportei com paciência, pela minha confiança em Deus. Hoje, sou muito feliz por isto. Até breve, querida mamãe!
Ante fatos que tais, quem ousará falar do nada do túmulo, quando a vida futura se nos revela, por assim dizer, palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefável em poder conversar com a filha; entre elas não mais separação; suas almas confundem-se e se expandem no seio uma da outra, pela troca de seus pensamentos.
A despeito do véu com que cercamos esta relação, não a teríamos publicado se não tivéssemos tido autorização formal. Aquela mãe nos dizia: Possam todos quantos perderem suas afeições terrenas experimentar a mesma consolação que experimento!
Acrescentaremos apenas uma palavra aos que negam a existência dos bons Espíritos. Perguntamos como poderiam provar que o Espírito desta jovem fosse um demônio malfazejo?”
Servindo-nos das notas que acompanharam a publicação da mensagem sob nossa análise, na Folha Espírita de novembro de 1976, com o título “Mensagem de João Jorge para o pai”, n concluamos este já longo capítulo.
1. “Maria José, nossa querida Zezé”: Sra. Maria José Lima dos Santos, irmã do missivista desencarnado, cujo apelido familiar, de fato, é o citado na mensagem — Zezé.
2. “Meu bom irmão Antônio Garcia”: Antônio Garcia dos Santos, cunhado de João Jorge.
3. “Mãezinha Laura”: Sra. Laura Martins Pereira Lima, genitora do comunicante.
4. Mogi-Guaçu: cidade paulista, local do acidente.
5. Itapira: cidade do Estado de São Paulo, onde trabalhava João Jorge.
6. Vovô Manoel: Trata-se do Sr. Manoel Cândido de Lima, desencarnado a 22 de janeiro de 1926, avô paterno do autor da mensagem.
7. Vovó Gabriela: O Espírito se refere à sua avó paterna, Sra. Gabriela Inocência da Conceição, desencarnada a 1º de abril de 1973.
8. “Em verdade, os nossos sonhos de noivado se desfizeram na Terra, mas acima de tudo, somos irmãos. Nossa querida Regina é uma criatura admirável e logo que eu estiver tranquilo, tentarei colaborar para vê-la feliz”. João Jorge faz alusão àquela que lhe fora noiva na Terra: Srta. Regina Yara Di Giorgio.
9. Nome do pai do comunicante: Sr. João Cândido de Lima, residente em São Joaquim da Barra, Estado de São Paulo.
Concluindo, convidamos a atenção do leitor amigo apenas para dois pontos da mais alta importância.
a) a mensagem psicografada pelo médium Xavier, ao final da reunião pública do Grupo Espírita da Prece, na noite de 23 de julho de 1976, em Uberaba, alerta-nos quanto à necessidade da preparação para a morte, já “que a falta de conhecimento coloca noventa por cento de dificuldades nos problemas que a morte do corpo nos obriga a aceitar”;
b) necessidade da conformação, da confiança em Deus, por parte dos que ficam. Depois de tantas considerações, numa tentativa de compreender a mensagem de João Jorge e revesti-la do valor que merece, não nos furtamos ao prazer de encerrar nosso estudo com um trecho que sempre nos oferecerá motivo para meditações profundas:
“Nossos familiares nos auxiliam em nossas doenças e provações do mundo… Por que não nos auxiliarem na renovação em que nos vemos, nós, os que perdemos uma estrada para entrarmos em outra?”
Elias Barbosa
[1] Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Trad. de Salvador Gentile, 3ª edição, Instituto de Difusão Espírita, Araras (SP), 1977, p. 364.
[2] Allan Kardec, Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos — Primeiro Ano — 1858, Trad. de Júlio Abreu Filho, Editora Cultural Espírita Ltda. — EDICEL — São Paulo, 1964 — pp. 16-17.
[3] Folha Espírita, São Paulo, Novembro de 1976, Ano II, nº 32, p. 4.