1 No Golfo Pérsico é noite…
Revejo a nuvem da guerra,
Pairando, acima da Terra,
A espalhar-se na amplidão…
2 No bojo dos grandes barcos,
Em mesas enfileiradas,
Ouço frases cochichadas
Exprimindo inquietação.
3 Nos guerreiros veteranos,
Há silêncio, não há voz…
4 E vendo luz ao meu lado
Entro na bênção da prece,
Pedindo a Deus,
Fortaleça a todos nós.
5 Fitando o Alto, eis que imploro:
“Ah! meu Pai, por que, meu Deus,
Por que deste tanto ódio,
Aos teus filhos e irmãos meus?”
6 Sem que ninguém saiba de onde,
A voz dos Céus nos responde:
“A todos damos amor!…”
7 Invoco então Jesus-Cristo,
Amado Mestre e Senhor:
“Jesus, ante o teu Natal,
Livra-nos sempre do mal.”
8 E o Mestre disse em voz alta:
“Para o Bem nada nos falta
Amparai-vos uns aos outros,
Amai-vos qual vos amei.”
9 Sei que o conflito iminente
Pode surgir de repente…
10 De espírito transformado
Operando mentalmente
Volto ao meu próprio passado…
Vejo a Guerra das Cruzadas,
Homens munidos de espadas
Montam soberbos corcéis;
Crianças abandonadas
Procuram mães desoladas,
Sofrendo golpes cruéis!…
11 Eis-me também nas Cruzadas…
A guerra é longa e sangrenta,
O Homem não se contenta,
Crê no ódio, mais e mais;
Nada suprime a matança,
Morre a paz sem esperança,
Gerando embates fatais…
A batalha continua…
12 Volto a Jesus e pergunto:
“Como agir? Dize Senhor,
Perante o desequilíbrio
De nossos irmãos do mundo,
Rogamos que nos definas
Com Tuas lições Divinas:
Que fazer, perante a Lei?”
13 Fala, entretanto, o Senhor,
Quando a vida se desmanda
Precisamos cultivar mais trabalho,
Mais perdão e mais amor.
14 A guerra prossegue intensa,
Os homens nos lembram feras
No caminho de outras eras
Sem Luz, sem Paz e sem Crença…
15 E em vilarejo distante, embora vitorioso,
O Rei Luiz cai exangue
E morre em poeira e sangue
Ferindo o mundo cristão!…
16 Tantas lembranças amargas!…
Afasto-me do terror,
Sempre o ódio em tantas cenas!…
Para ilações mais serenas
Em torno do hórrido evento
Coração em sofrimento
Mergulhado em grande dor!…
17 Quero pensar livremente,
Não suporto a grande luta;
Retiro-me quando escuto
Alguém a dizer-me, claro:
“Em Deus não há desamparo!…”
18 O mensageiro da Luz
Pedia-me paz e fé,
Na bênção do Herói da Cruz.
Consciente, ansioso e aflito,
Procuro guardar-me em prece,
Na paz de que necessito;
Vejo em torno a Natureza,
Tudo é Esperança e Beleza!…
19 O vento brinca na areia…
Noto onde o solo se alteia,
Terra verde e céu de anil!…
A dor quase me enlouquece,
Mas em paz reflito em prece:
— Deus nos preserve o Brasil.
Castro Alves
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