1. LINGUAGEM ANIMAL. — Aperfeiçoando as engrenagens do cérebro, o princípio inteligente sentiu a necessidade de comunicação com os semelhantes e, para isso, a linguagem surgiu entre os animais, sob o patrocínio dos Gênios Veneráveis que nos presidem a existência.
2 De início, o fonema e a
mímica foram os processos indispensáveis ao intercâmbio de impressões
ou para o serviço de defesa, como, por exemplo, o silvo de vários répteis,
o coaxar dos batráquios, as manifestações sonoras das aves e o mimetismo
de alguns insetos e vertebrados, a se modificarem subitamente de cor,
preservando-se contra o perigo.
3 Contudo, à medida que se
lhe acentuava a evolução, a consciência fragmentária investia-se na
posse de mais amplos recursos.
4 O lobo grita pelos companheiros
na sombra noturna, o gato encolerizado mostra fúria característica,
miando raivosamente, o cavalo relincha de maneira particular, expressando
alegria ou contrariedade, a galinha emite interjeições adequadas para
anunciar a postura, acomodar a prole, alimentar os pintainhos ou rogar
socorro quando assustada, e o cão é quase humano, em seus gestos de
contentamento e em seus ganidos de dor.
2. INTERVENÇÕES ESPIRITUAIS. — É assim que, atingindo os alicerces da Humanidade, o corpo espiritual do homem infraprimitivo demora-se longo tempo em regiões espaciais próprias, sob a assistência dos Instrutores do Espírito, recebendo intervenções sutis nos petrechos da fonação para que a palavra articulada pudesse assinalar novo ciclo de progresso.
2 O laringe, situado acima
da traqueia e adiante da faringe, consubstanciado num esqueleto cartilaginoso,
urdido em fibras e ligamentos, com uma seleta de pequenos músculos,
sofre nas mãos sábias dos Condutores Espirituais, à maneira de um órgão
precioso entre os dedos de cirurgiões exímios no serviço de plástica,
delicadas operações no curso dos séculos, para que os músculos mencionados
se façam simétricos e para que se vinculem, tão destros quanto possível,
à produção fisiológica da voz.
3 Em sua contextura interna
aglutina-se uma mucosa ciliada que se destina ao trabalho de lançamento
do som e que verte pelos estreitamentos, transformando-se em pavimentosa-estratificada
na borda livre das cordas vocais verdadeiras.
4 Fora da ação das cordas
vocais, o laringe revela no pescoço movimentos de ascensão e descensão,
elevando-se na expiração e na deglutição e baixando na inspiração, na
sucção e no bocejar, salientando-se no corpo qual perfeito instrumento
de efeitos musicais.
3. MECANISMO
DA PALAVRA. — Com o extremo carinho de vagarosa confecção, os
Técnicos da Espiritualidade Superior compõem a cartilagem situada em
plano inferior, a cricóide, que representa um anel modificado da traqueia,
sustentando uma placa na parte posterior, sobre a qual no bordo superior
e de ambos os lados da linha média, se apoiam as duas aritenóides, que
se permitem, assim, a conjunção ou o afastamento entre si. 2
Cada uma possui na base uma apófise: a interna, vocal, em que está inserida
a parte posterior da corda vocal verdadeira do mesmo lado, e a outra,
que é externa, muscular. 3
Com a mesma habilidade, os Técnicos tecem a cartilagem localizada na
região anterior ou cartilagem tireóide a destacar-se sob a pele no chamado
Pomo-de-Adão, em suas lâminas verticais que se conjugam na linha mediana,
traçando um ângulo diedro que se volta para a retaguarda e onde se fixam
as cordas vocais verdadeiras, cartilagem essa que, por baixo, se une
com o anel da cricóide, e, por cima, com o osso hióide, através de membranas
e ligamentos, o qual fornece apoio para a implantação do laringe.
4 Acima das cordas
vocais verdadeiras, surgem as cordas vocais falsas a limitarem com a
parede os ventrículos laterais de Morgagni. ( † )
5 Todos os músculos que garantem
o movimento das cordas são pares, exceto o ari-aritenóideo, assegurando
as funções da glote vocal e formando, com avançado primor de previsão
e eficiência, a abóbada de precioso condicionamento, onde a pressão
do ar pode fazer-se com segurança para separar as cordas vocais em serviço.
4. LINGUAGEM
CONVENCIONAL. — Aprende então o homem, com o amparo dos Sábios
Tutores que o inspiram, a constituição mecânica das palavras, 2
provindo da mente a força com que aciona os implementos da voz, 3
gerando vibrações nos músculos torácicos, incluindo os pulmões e a traqueia
como num fole, e fazendo ressoar o som no laringe e na boca, que exprimem
também cavidades supraglóticas, para a criação, enfim, da linguagem
convencional, 4 com
que reforça a linguagem mímica e primitiva, por ele adquirida na longa
viagem através do reino animal.
5 A esse modo natural
de exprimir-se por gestos e atitudes silenciosos, em que derrama as
suas forças acumuladas de afetividade e satisfação, desagrado ou rancor,
em descargas fluídico-eletromagnéticas de natureza construtiva ou destrutiva,
superpõe a criatura humana os valores do verbo articulado, 6
com que acrisola as manifestações mais íntimas, habilitando-se a recolher,
por intermédio de sinalética especial na escala dos sons, a experiência
dos irmãos que caminham na vanguarda 7
e aprendendo a educar-se para merecer esse tipo de assistência que lhe
outorgará o estado de alegria maior, ante as perspectivas da cultura
com que a vida lhe responde às indagações.
5. PENSAMENTO
CONTÍNUO. — Com o exercício incessante e fácil da palavra, a
energia mental do homem primitivo encontra insopitável desenvolvimento,
por adquirir gradativamente a mobilidade e a elasticidade imprescindíveis
à expansão do pensamento 2
que, então paulatinamente se dilata, estabelecendo no mundo tribal todo
um oceano de energia sutil, em que as consciências encarnadas e desencarnadas
se refletem, sem dificuldade, umas às outras.
3 Valendo-se dessa instituição
de permuta constante, as Inteligências Divinas dosam os recursos da
influência e da sugestão e convidam o Espírito terrestre ao justo despertamento
na responsabilidade com que lhe cabe conduzir a própria jornada…
4 Pela compreensão
progressiva entre as criaturas, por intermédio da palavra que assegura
o pronto intercâmbio, fundamenta-se no cérebro o pensamento contínuo
5 e, por semelhante
maravilha da alma, as ideias-relâmpagos ou as ideias-fragmentos da crisálida
de consciência, no reino animal, se transformam em conceitos e inquirições,
traduzindo desejos e ideias de alentada substância íntima.
6 Começando a fixar
o pensamento em si mesmo, fatigando-se para concatená-lo e exprimi-lo,
confiou-se o homem a novo tipo de repouso, — a meditação compulsória,
ante os problemas da própria vida, — 7
passando a exteriorizar, inconscientemente, as próprias ideias 8
e, com isso, a desprender-se do carro denso de carne, desligando as
células de seu corpo espiritual das células físicas, durante o sono
comum, 9 para receber,
em atitude passiva ou de curta movimentação junto do próprio corpo adormecido,
a visita dos Benfeitores Espirituais que o instruem sobre as questões
morais.
10 O continuísmo da ideia consciente
acende a luz da memória sobre o pedestal do automatismo.
6. LUTA EVOLUTIVA. — Entre a alma que pergunta, a existência que se expande, a ansiedade que se agrava e o Espírito que responde ao Espírito, no campo da intuição pura, esboça-se imensa luta.
2 O homem que lascava
a pedra e que se escondia na furna, escravizando os elementos com a
violência da fera e matando indiscriminadamente para viver, 3
instado pelos Instrutores Amigos que lhe amparam a senda, passou a indagar
sobre a causa das coisas… 4
Constrangido a aceitar os princípios de renovação e progresso, refugia-se
no amor-egoísmo, na intimidade da prole, que lhe entretém o campo
íntimo, ajudando-o a pensar.
5 Observa-se tocado por estranha
metamorfose.
Vê, instintivamente, que não mais se poderia guiar pela excitabilidade dos seus tecidos orgânicos ou pelos apetites furiosos herdados dos animais…
6 Desligado lentamente dos
laços mais fortes que o prendiam às Inteligências Divinas, a lhe tutelarem
o desenvolvimento, para que se lhe afirmem as diretrizes próprias, sente-se
sozinho, esmagado pela grandeza do Universo.
7 A ideia moral da vida começa
a ocupar-lhe o crânio.
8 O Sol propicia-lhe a concepção
de um Criador, oculto no seio invisível da Natureza, e a noite povoa-lhe
a alma de visões nebulosas e pesadelos imaginários, dando-lhe a ideia
do combate incessante em que a treva e a luz se digladiam.
9 Abraça os filhinhos com
enternecimento feroz, buscando a solidariedade possível dos semelhantes
na selva que o desafia.
10 Mentaliza a constituição
da família e padece na defesa do lar.
11 Os porquês a lhe
nascerem fragmentários, no íntimo, insuflam-lhe aflição e temor.
12 Percebe que não mais pode
obedecer cegamente aos impulsos da Natureza, ao modo dos animais que
lhe comungam a paisagem, mas sim que lhe cabe agora o dever de superar-lhes
os mecanismos, como quem vê no mundo em que vive a própria moradia,
cuja ordem lhe requisita apoio e cooperação.
7. NASCIMENTO
DA RESPONSABILIDADE. — A ideia de Deus iniciando a religião,
2 a indagação prenunciando
a Filosofia, 3 a experimentação
anunciando a Ciência, 4
o instinto de solidariedade prefigurando o amor puro, 5
e a sede de conforto e beleza inspirando o nascimento das indústrias
e das artes 6 eram
pensamentos nebulosos torturando-lhe a cabeça e inflamando-lhe o sentimento.
7 Nesse concerto de
forças, a morte passou a impor-lhe angustiosas perquirições 8
e, enterrando os seus entes amados em sepulcros de pedra, o homem rude,
a iniciar-se na evolução de natureza moral, perdido na desértica vastidão
do paleolítico aprendeu a chorar, amando e perguntando para ajustar-se
às Leis Divinas a se lhe esculpirem na face imortal e invisível da própria
consciência.
9 Foi, então, que,
em se reconhecendo ínfimo e frágil diante da vida, compreendeu que,
perante Deus, seu Criador e seu Pai, estava entregue a si mesmo.
10 O princípio da responsabilidade
havia nascido.
André Luiz
Pedro Leopoldo, 16/2/1958.