Há mais de quarenta anos Chico Xavier vem servindo de instrumento mediúnico para os diálogos da preparação. É impressionante o poder do diálogo. Remontando à antiguidade Grega, encontramo-lo na base de todo o desenvolvimento filosófico. Sócrates o empregou na sua maiêutica, um sistema especial de dialogar para arrancar a verdade do íntimo de cada um. Mas antes de Sócrates temos o diálogo de Pitágoras com Orfeu. O filósofo matemático opunha-se às teses místicas de Orfeu, poeta e músico lendário que foi, ao mesmo tempo, o profeta-revelador do Orfismo, a religião arcaica da Grécia. E desse diálogo nasceu a síntese pitagórica, dando origem à Filosofia como indagação consciente da Razão.
Antes ainda de Sócrates temos o diálogo perturbador dos Sofistas, os filósofos da dúvida que tudo submetiam a debates infindáveis. Foi nesse meio de palavrório inconsequente que Sócrates descobriu o caminho da Verdade. Os diálogos dos sofistas eram como um borbulhar das águas na superfície, mas Sócrates mergulhou no rio e descobriu que a Verdade estava escondida embaixo da palavra. Descobriu o conceito, a ideia, e resolveu fazer como sua mãe parteira: provocar nas mentes engravidadas o parto da Verdade. Os diálogos de Platão nos mostram a que profundas consequências Sócrates levou a inconsequência palavrosa dos Sofistas.
Dando um salto no tempo vamos encontrar Kardec na França, em Paris, essa Atenas rediviva, empenhado num diálogo do qual resulta O Livro dos Espíritos. Seu papel é o mesmo de Sócrates: dialogar com os vivos da Terra e os vivos do Além, na busca da Verdade. Porque Sócrates não dialogava apenas com os homens, mas também com os espíritos, como se vê nas suas relações com o seu Daemon, o bom demônio (ou seja o bom Espírito) que o amparava e guiava. Kardec fazia o mesmo. Toda a sua vida foi um diálogo permanente com os vivos da Terra e do Além. Do diálogo, um processo de comunicação, nasceria a Dialética de Hegel, um sistema de interpretação do mundo, fornecendo ao pensamento moderno a chave do enigma — a evolução dialética.
Os críticos acríticos que hoje pretendem criticar a forma dialogada de O Livro dos Espíritos merecem o perdão de Deus, pois não sabem o que fazem. O mesmo se dá com as críticas formuladas aos diálogos de Chico Xavier, que em Uberaba, como o Oráculo de Delfos, se coloca entre os homens e os Espíritos para que os vivos da Terra possam conversar com os vivos do Além. Cada mensagem recebida por Chico Xavier é uma resposta às indagações humanas. Não é Chico, nem são os Espíritos que propõem os temas do grande debate. São os homens, as criaturas humanas torturadas por seus dramas e suas inquietações, por seus desesperos e suas angústias. Como querer que se interrompam esses diálogos, para que o médium se dedique à recepção de novos romances ou volumes de estudos doutrinários? As mensagens mais longas e mais profundas, dadas até agora, não mereceram o devido apreço dos meios doutrinários. Os homens andam muito sem tempo para estudo e reflexão, aturdidos com suas provas e expiações. É necessário insistir nos diálogos da preparação.
Os problemas humanos são muitos e variados, mas no fundo relacionam-se entre si. Cada resposta dos Espíritos às pessoas angustiadas vale por uma resposta às angústias do mundo. E quem não entende isso, quem não consegue captar os ensinos dados em cada mensagem, não terá condições para entender as lições mais amplas e minuciosas transmitidas através de volumes inteiros psicografados. Querem uma prova? Basta perguntar-se o que foi feito até agora da obra de Emmanuel e de André Luiz. Salvo raras tentativas ingênuas, onde estão os comentaristas profundos, os analistas, os estudiosos dessas obras em nosso meio? Onde?!
Voltando no tempo, podemos ainda perguntar: Onde estão os estudiosos da obra de Kardec, das obras de Léon Denis, de Gabriel Delane, de Ernesto Bozzano, de Gustave Geley, de Camille Flammarion, e assim por diante? Onde os estudos sérios, bem planejados e realizados, com metodologia apropriada, dos temas fundamentais da Doutrina Espírita, relacionando as obras básicas com as conquistas modernas da Ciência, da Filosofia, da Religião, para não sairmos desse tripto doutrinário? O que vemos não é esse tratamento sistemático e consciencioso da Doutrina, mas uma avalanche de obras inexpressivas, pretensiosas, superficiais, desprovidas de conteúdo, propostas ao meio espírita como tentativas de renovação doutrinária. As próprias obras da Codificação, somente agora estão aparecendo em edições aceitáveis, precedidas de estudos preparatórios do espírito do leitor e de informações orientadoras, em notas de pé de página, sobre as relações da Doutrina com a renovação cultural do nosso tempo.
Num ambiente assim, amorfo, indefinido, mas em que despontam forças novas prenunciando um futuro melhor, graças às novas gerações que adquirem formação universitária, que escapam do autodidatismo mediocrizante, os diálogos de Uberaba se impõem como preparação do terreno para o alvorecer de uma nova era. Os volumes já lançados nesta série da Editora GEEM (Editora do Grupo Espírita Emmanuel, de São Bernardo do Campo) apresentam ao público espírita ledor os diálogos da preparação. Nossos comentários têm por finalidade mostrar o que há de grave e profundo em cada mensagem, estabelecendo a relação dos seus ensinos com os princípios doutrinários, de um lado, e com as novidades culturais do nosso tempo, de outro lado. Se os Espíritos nos deram essa tarefa não foi por sermos mais capazes, mais cultos ou preparados do que outros, mas simplesmente por termos compreendido de há muito a sua necessidade. Quem não tem cão, caça com gato…
Quem acompanhar a sequência desta série: Chico Xavier Pede Licença, Na Era do Espírito, Astronautas do Além, Diálogo dos Vivos, perceberá que estes diálogos preparam o nosso meio para uma compreensão mais ampla e mais fecunda da natureza e do sentido da mensagem mediúnica. As vozes do Além, quando legítimas, não se destinam apenas a consolar os aflitos, mas também e sobretudo a ensinar, esclarecer e abrir perspectivas novas ao entendimento dos problemas espirituais. Menosprezar a importância das mensagens mediúnicas é negar o valor do trabalho abnegado dos Espíritos Superiores em nosso benefício. Bem examinada, cada uma dessas mensagens é uma sugestão e uma indicação de rumos para estudos futuros. Como demonstramos ao longo desta série de volumes, às vezes numa simples quadra, num soneto, num poema, os Espíritos comunicantes nos oferecem novas pistas de indagações e estudos, com vistas ao futuro próximo, no desenvolvimento da Cultura Espírita.
Ars longa, vita brevis, diz a tradução latina do primeiro aforismo de Hipócrates. E Camões exclamou, diante da sua obra inconclusa: “Para tão longa arte, tão curta vida!” O desenvolvimento da Cultura Espírita não é obra para nós, para a nossa geração, nem para a nova que já ombreia conosco. É obra de gerações. As vidas sucessivas estabelecem o encadeamento das gerações no desenvolvimento cultural. Por isso, encontramos em O Livro dos Espíritos a constante advertência: “Tudo se encadeia no Universo”. Não tenhamos a pretensão de ser mais do que elos dessa cadeia que se iniciou com as gerações passadas, desenvolve-se com as presentes e se prolongará com outras gerações no futuro sem limites.
Procuremos compreender o momento que vivemos na Terra. É um momento de crise, mas de crise de crescimento. Os desajustes de hoje correspondem ao desmontar de estruturas envelhecidas que não mais atendem às necessidades da nossa evolução. No meio espírita passamos rapidamente da fase mística para a fase cultural. Os pequenos grupos de liderança individualista sentem a necessidade de abrir-se para a dimensão comunitária. Instituições vetustas e veneráveis sofrem os choques das novas exigências e embora procurem resistir vão aos poucos se abrindo para adaptações difíceis mas indispensáveis. Da assistência material à pobreza, em formas antiquadas, passamos à assistência material-espiritual através de redes hospitalares e redes escolares em franco desenvolvimento. Do amparo ao órfão passamos à assistência médica, dentária, cultural e espírita (não apenas espiritual, mas espírita) às crianças necessitadas e suas famílias. E organizamos sanatórios e educandários para o socorro a crianças excepcionais, desajustadas ou submetidas à prova de doenças crônicas.
Há desajustes, às vezes alarmantes, nesse processo de reajuste às novas condições do mundo. Arriscamo-nos a cair no excesso de sistematizações, na centralização direcional, nos processos de coação que ameaçam suprimir a liberdade espírita. São os perigos da institucionalização. Mas para vencer tudo isso não nos faltam o apoio do Alto, as mensagens esclarecedoras, as advertências de companheiros mais sensatos e livres dos prejuízos do espírito sistemático, segundo a expressão de O Livro dos Espíritos. Chico Xavier é arrancado do seu isolamento quase monacal e lançado na arena das manifestações de massa, levado aos programas de rádio e televisão, desviado da psicografia solitária para os diálogos da preparação, aturdido com as solicitações inúmeras, as interpelações incessantes e submetido à crítica dos próprios companheiros e dos adversários da Doutrina.
Tudo isso e muito mais, que seria longo enumerar aqui, assustam aos companheiros tímidos que temem pela deturpação do movimento e pelos supostos prejuízos que o médium possa sofrer. Mas como disse, num belo alexandrino, o poeta Cyro Costa: “Jesus está no leme” ( † ) e tudo caminha para um futuro que era, desde o início, o objetivo doutrinário. Tudo isso tem por fim arrancar o homem da modorra da carne, prepará-lo e lançá-lo no despertar do espírito. A preparação está em curso e não temos o direito de reclamar a volta à quietude comodista do passado, ao Espiritismo caseiro e de grupos fechados que se deleitavam no seu ilusório privilégio. Deus não faz acepção de pessoas, todos somos seus filhos e a Verdade é o nosso patrimônio comum, a herança de todos os filhos de Deus.
O Espiritismo encarna em seus princípios as forças da evolução. Sua finalidade é abalar e transformar o mundo, como os Espíritos disseram a Kardec. Não pode esconder-se em pequenos Centros ou em instituições messiânicas. Deve abrir-se para a vida, pois sua própria fonte, que é o Plano espiritual em conjugação com a mediunidade ativa, é também a fonte da vida. Quando Espírito e matéria se conjugam no ato divino da Criação, sob o “fiat” de Deus, nada mais temos do que um ato mediúnico: o Espírito manifestando-se através da matéria. A própria Criação, portanto, é um ato mediúnico. E esse ato se repete em cada encarnação, pois cada criatura que nasce na Terra é um Espírito que se serve de um médium (um intermediário) para manifestar-se entre os homens. Como limitar o conceito de mediunidade a práticas rituais ou sistematizadas e como limitar o conceito de espiritismo ao de uma seita isolacionista, ciosa de seus imaginários privilégios grupais?
Estas ideias não são novas nem pessoais. Estão nas próprias raízes da Doutrina. Figuram nas obras fundamentais e nas obras subsidiárias. Kardec e Denis, Flammarion e Delane, Bozzano e Frederic Myers — este último sem sequer conhecer a obra de Kardec — já proclamavam em seus livros a grandeza cósmica da Doutrina E os fatos, no desenvolver incessante da Cultura, vieram provando sem cessar, até os nossos dias, a legitimidade dessas afirmações que para muitos ainda parecem audaciosas. Os diálogos da preparação, com que nos deparamos nestes volumes de mensagens mediúnicas, representam uma fase histórica do avanço cultural do Espiritismo na atualidade terrena.
Vem de longe, como já vimos, e para mais longe avança o Diálogo dos Vivos. Ele é o próprio fluxo da vida, rompendo as barreiras falsas da morte para levar-nos aos Planos superiores do Espírito. Joel, nas suas profecias, anunciou o seu desenvolvimento. Jesus o ensinou, intensificou e exemplificou com as suas manifestações. Kardec, um dos mais lúcidos discípulos de Jesus, como o declarou Emmanuel, restabeleceu-o após o eclipse teológico e deu-lhe a orientação metodológica necessária à aceitação geral dos homens. Chico Xavier hoje o realiza, com inteira abnegação de si mesmo, a serviço da causa humana e divina do Espiritismo. Não há nada a temer nem a reclamar. Só uma coisa temos a fazer: trabalhar!
São Paulo, 18 de abril de 1974.
J. Herculano Pires