Francisco Cândido Xavier
Precedendo a nossa reunião pública, os comentários sobre o incêndio havido em São Paulo, no dia primeiro deste mês de fevereiro (1974), foram ainda o ponto central de nossas conversações. n
Éramos dezenas de companheiros, na maioria procedentes de cidades diversas. Não tínhamos, porém, outro assunto, mesmo porque estavam entre nós alguns familiares dos que foram vítimas da ocorrência dolorosa. Da troca de reflexões sobre o acontecido fomos às tarefas programadas.
Após a oração habitual O Livro dos Espíritos ( † ) nos deu para estudar a questão 740, referente às provações coletivas. Após a interpretação do texto os poetas Cyro Costa e Cornélio Pires se manifestaram pela psicografia, oferecendo-nos os sonetos que lhe envio.
NOTA — Publicamos neste capítulo apenas o soneto de Cyro Costa, em virtude da revelação que o conhecido e saudoso poeta paulista faz a respeito das vítimas do incêndio do Edifício Joelma. O soneto de Cornélio Pires se encontra no capítulo seguinte. ( † ) [Vide também no capítulo anterior a prece de Emmanuel psicografada no dia do incêndio.]
Cyro Costa
(Homenagem aos companheiros desencarnados no incêndio ocorrido na capital de São
Paulo a 1.º de fevereiro de 1974, em resgate dos derradeiros resquícios de culpa que ainda traziam na própria
alma, remanescentes de compromissos adquiridos em guerra das Cruzadas.)
1 Fogo!… Amplia-se a voz no assombro em que se espalha
Gritos, alterações… O tumulto domina.
No templo do progresso, em garbos de oficina,
O coração se agita, a vida se estraçalha.
2 Tanto fogo a luzir é mística fornalha
E a presença da dor reflete a lei divina.
Onde a fé se mantém, a prece descortina
O passado remoto em longínqua batalha…
3 Varrem com fogo e pranto as sombras de outras eras
Combatentes da Cruz em provações austeras,
Conquanto heróis do mundo, honrando os tempos idos.
4 Na Terra o sofrimento, a angústia, a cinza, a escória…
Mas ouvem-se no Além os hinos de vitória
Das Milícias do Céu saudando os redimidos.
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Irmão Saulo
Para as pessoas que ainda não aceitam o princípio da reencarnação, a revelação parece absurda, simplesmente imaginária. Mas quem conhece realmente o problema não terá dúvidas a respeito. O poeta Cyro Costa, autor do livro “Terra Prometida” (José Olímpio Editora, 1938) foi um dos homens exponenciais de São Paulo nos idos de 1930. Foi ele, já desencarnado, quem encerrou o primeiro “Pinga Fogo” de Chico Xavier, no Canal 4, a 28 de julho de 1971, com o soneto intitulado “Segundo Milênio”.
Por que razão Cyro Costa teria revelado a causa longínqua da morte das vítimas do incêndio? Certamente para consolar os familiares aflitos que não viam motivo para esse fim cruel. Muitos desses familiares são espíritas ou aceitam os princípios doutrinários, como vemos pela presença de alguns na reunião de Chico Xavier. Além desse motivo caridoso há o interesse de confirmar o princípio da reencarnação diante de uma ocorrência que sem ele não seria explicável.
Em termos de consolação para os que ficaram, o final do soneto é de suma importância, pois informa que as vítimas da Terra foram recebidas no Além como vitoriosas. A convicção espírita, firmada em fatos reais e nas intuições profundas da alma, recebe com alegria informações espirituais dessa natureza, quando dadas por Espíritos plenamente identificados e de comprovada elevação.
Mesmo entre os espíritas, alguns poderão perguntar por que motivo dívidas tão remotas só agora foram pagas. As Cruzadas se verificaram entre princípios do Século XI e final do Século XIII. É que a Lógica Divina é superior à lógica humana. Débitos pesados esmagariam o Espírito endividado, sob cobrança imediata. Convém dar tempo ao tempo para que os resgates se façam de maneira proveitosa. Os Espíritos devem evoluir o suficiente para que suas próprias consciências os levem a aceitar o resgate e a pedi-lo, reconhecendo a medida como necessária para continuidade de sua evolução. Entrementes, nas encarnações sucessivas, partes do débito vão sendo pagas, aliviando o devedor. Por isso Cyro Costa alude a “resquícios de culpa” e não à culpabilidade total.
Também por isso as vítimas foram recebidas de maneira gloriosa, pois agora comparecem na Espiritualidade como heróis da evolução, Espíritos que se propuseram a passar na Terra pelo que infligiram a outros no passado. Não foram submetidos compulsoriamente ao sacrifício, mas entregaram-se a ele de maneira espontânea, no exercício voluntário do seu livre arbítrio. Essa a sua glória. E o consolo para os que ficaram é evidente. Seus entes queridos não foram vítimas ocasionais de um golpe nefando do destino ou da fatalidade. Nada disso. Sacrificaram-se num momento terrível mas passageiro, para assegurar-se a felicidade no mundo espiritual e reencarnações felizes no futuro.
Sem as provas positivas que o Espiritismo oferece aos que o estudam e praticam, é difícil ao homem compreender o problema. Mas há mais de um século a revelação espírita vem beneficiando milhares de criaturas, hoje perfeitamente aptas a compreender esse processo.
Quanto às Cruzadas, convém lembrar que suas guerras foram das mais desumanas, marcadas por massacres e incêndios. Historiadores de insuspeita autoridade, como Brentano, Langlois, Michaud, relatam cenas de canibalismo, massacres de crianças, horrores de toda espécie praticados em nome da fé cristã.
Na queda de Jerusalém, segundo Brentano, em 1099, os judeus da cidade foram reunidos na sinagoga e queimados vivos. Correndo a notícia de que os mouros haviam engolido objetos de ouro, para escondê-los, milhares deles tiveram o ventre aberto e suas vísceras remexidas pelos cruzados, ainda quentes.
O fogo era largamente usado. Mouros e judeus eram levados aos edifícios mais altos e obrigados a saltar para se espatifarem no solo. Encurralavam-se prisioneiros em prédios altos, que eram incendiados para que eles morressem nas chamas. Como vemos, crimes tão hediondos só poderiam provocar resgates a longo prazo. [Vide também sobre o mesmo assunto o capítulo a seguir.]
[1] 1º de fevereiro de 1974. (Nota da Editora)