Conheci o venerando e virtuoso Padre João de Deus em 1910, era já um sacerdote sexagenário, gasto e alquebrado pelo operoso e edificante paroquiato, na então difícil e trabalhosa freguesia de Vila Nova Lima, do Arcebispado de Mariana. Como seminarista, tive a felicidade de passar as férias de 1910 e 1911 à sombra da virtude que exornava a figura venerável e respeitável de tão distinto sacerdote.
Em abril de 1912, já sacerdote do Altíssimo, tive a suprema ventura de conviver mais intimamente com o boníssimo e virtuoso sacerdote, recebendo dele as mais luminosas e sábias lições de santidade e humildade.
O Pe. João de Deus era o ídolo dos seus paroquianos que viam em sua pessoa um verdadeiro ministro de Deus, sempre afável, atencioso e esmoler, sendo chamado por todos com o carinhoso e expressivo nome de Padrinho Vigário, título a que ele fez jus pela sua conduta ilibada e altruísmo inexcedível.
Como sacerdote e vigário, cheio de zelo e operosidade, percorreu a sua longa carreira sacerdotal à maneira do Divino Mestre, espargindo por toda a parte o vem e a virtude de que o seu grande coração se achava repleto.
A trajetória brilhante de sua passagem por esta Paróquia dificilmente será imitada pelos seus sucessores no paroquiato, pois até hoje ainda perduram nas almas os maravilhosos efeitos da sua abnegada e heroica ação paroquial.
O seu ardente zelo pela salvação das almas não conhecia limites, assim é que muitas vezes deixava a sede da sua modelar paróquia para ir levar a boa-nova da salvação às paróquias limítrofes, colhendo sempre abundantes frutos espirituais e iluminando com os fulgores de sua viva fé os caminhos que conduzem as almas ao seio infinito de Deus.
A vida do virtuoso Pe. João de Deus pode resumir-se em duas palavras, que são o epílogo de uma longa e proveitosa existência, votada à glória de Deus e salvação das almas, CARIDADE e HUMILDADE, como se acham gravadas no mármore que cobre os seus restos mortais, ensinando assim, mesmo depois de morto, às gerações presentes e futuras que a glória eterna será conquistada com a prática dessas duas peregrinas virtudes, ensinadas e praticadas pelo Divino Mestre.
O Pe. João de Deus empregou todos os instantes de sua vida na prática da caridade para com os deserdados da fortuna, por isso, ele podia dizer verdadeiramente, no fim de sua vida, o que dizia o grande apóstolo São Paulo “Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé, ( † ) agora só me resta receber a coroa da glória eterna que o justo e misericordioso Juiz me dará no perpétuo e esplendoroso dia da eternidade.”– In memoria eterna erit justus – o justo será lembrado eternamente, a sua lembrança jamais se apagará da memória daqueles que o conheceram e admiraram os seus extraordinários feitos.
No dia 19 de dezembro de 1912 extinguiu-se suavemente aquela luz brilhante que por vários lustros iluminou o horizonte paroquial da então paróquia de Vila Nova de Lima, falecia santamente o Pe. João de Deus no hospital da Companhia do Morro Velho, confortado com os sacramentos da santa igreja, assistido pelos seus colegas de apostolado, entre os quais se achava o santo e querido Monsenhor Horta, que lhe administrou os últimos sacramentos.
O seu enterro, no dia 20 de dezembro, foi um verdadeiro triunfo, uma glorificação, um elogio público das suas grandes virtudes, pois apesar da chuva impertinente que caía, parecendo que a Natureza também chorava o grande morto, houve grande concorrência de fiéis e de sacerdotes que, das paróquias circunvizinhas, vieram prestar suas homenagens ao pranteado sacerdote.
O seu corpo repousa na Matriz de Nova Lima, ao lado do Evangelho, coberto por uma lápide de mármore, onde se lê o seguinte:
“Em santidade e justiça diante do Senhor, morreu assim como viveu.
Pe. João de Deus Macario (1/4/1852 — 19/12/1912)
Charitas et humilitas, ejus vita.
Saudade e gratidão dos seus paroquianos.”
O seu singelo túmulo, após 25 anos, continua a ser visitado diariamente pelos seus desolados paroquianos, vendo-se aí um retrato seu, que é osculado com amor e carinho filiais, sempre ornado com flores, preito de gratidão e saudades.
Repousa em paz, heroico lutador do bem, ora por nós junto ao trono do Altíssimo e protege-nos neste longo e amargurado peregrinar para a eternidade!
Nova Lima, 7/7/1937.
Vigário Pe. Joaquim Coelho
[Vide os versos de Guerra Junqueiro dedicado ao padre João.]