1 Alegas, muita vez, alma querida:
— O tédio me entorpece e me consome a vida!…
2 Um erro na poltrona te desgosta,
Apaga-te o sorriso e deixa-te indisposta…
3 O marido, preso, por natureza,
Era um médico amigo da pobreza.
4 Houvesse algum enfermo em pequena palhoça…
Ei-lo, junto ao doente em plena roça…
5 Ele sofre e adoece, certo dia,
E roga à esposa, amparo e companhia.
6 Ela atende ao insólito pedido,
Enquanto ele se mostra surpreendido.
7 De um carro velho e forte, sem tardança,
Descem os dois ao chão, ante a Vila Esperança.
8 Ali, toda morada, é formada de zinco,
Alinhando-se em grupo, cinco a cinco.
9 Disse o esposo a ela:
— “Hoje, o trabalho aqui é teu recado…
Os doentes são teus… Ando muito cansado…”
10 Do casebre primeiro saem gemidos dos loucos…
Eis que o esposo explica:
— “É a Dona Flora, exaurindo-se aos poucos…
11 “Não mais resiste a pobre ao câncer que a devora
Mas, para aliviar a angústia que a domina
Temos na pasta que eu trouxe a injeção de morfina.”
12 Aplicada a injeção, ela vê três crianças
Junto à mulher sofrida, em choro continuado…
Ela fala ao marido, acerca de mudanças,
E acaba perguntando ao esposo intrigado:
— “O que comem aqui estas crianças nuas?”
O médico responde:— “O pão dado nas ruas.”
Ela aciona o carro e adquire cem pães,
Que distribui na praça, entre os filhos e as mães.
13 — “Moça, — grita uma voz
De uma das casinholas escondidas,
— Venha nos ver,
Somos pobres doentes desvalidas!…”
A dama entra no quarto
E lava-lhes as manchas e as feridas…
Anda de casa em casa.
Dá remédio às crianças com bronquite
E socorre aos enfermos,
Vítimas de hepatite…
De sentimento preso
Às dores que a detinham no lugar,
Oito horas gastou a lavar e a limpar.
14 De volta, eis que ela sente
O marido mais forte e mais contente…
Notou que o Cristo Amado estaria mais perto
E admitiu que a vida
Nunca mais lhe seria Desencanto e deserto…
Adentrou-se no lar, recordando a excursão
Que lhe alterara a mente, o caminho e a visão…
15 Ajoelhou-se em prece,
Pensando na penúria que encontrara.
Contemplou de uma fímbria da janela
A noite linda e clara…
Imaginou Jesus
Caminhando ao encontro da pobreza
E quase sem querer
Exclamou para os Céus:
— “Obrigada, Jesus, pela Vila Esperança
Que me falou do amor que não se cansa…
Agora, estou na paz que eu sempre quis.
A qualquer hora posso ser feliz!…
Obrigada, Jesus, por me ensinar
Que a Caridade é Luz e a Luz é trabalhar!…
Maria Dolores
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