1 Querida mamãe, abençoe seu filho.
2 Muito estranho para mim o que ocorre. E não me será possível falar de tantas saudades juntas.
3 Mãezinha Astrogilda, prometi ao meu avô Abel não chorar, entretanto, pense no meu coração como sendo uma represa de pranto. O espaço imenso da separação se repletou gota por gota, e aqui estou como quem não pode deixar de aproveitar a brecha da alegria para vazar as lágrimas que me correm do peito.
4 Mamãe, a morte não existe, mas existe o vazio das noites sem sono, as horas alucinadas de saudade que não se pode descrever.
5 Eu sei que a nossa fé não comporta desespero. 6 Nossa fé nasceu numa cruz em que um anjo na forma de um homem ensinou amor e perdão com auxílio da morte.
7 Eu sei que Jesus nos dará forças e nos sustentará como sempre, entretanto, os amigos que me trouxeram com o vovô Abel e com o vovô Joaquim à frente, sabem que não falto à disciplina.
8 Mamãe, que filhos não chorarão no reencontro com as mães queridas depois de longa ausência, e que mães não verterão outras lágrimas quando os tomam nos braços para abraçá-los com os beijos sem palavras?
9 Compreendi isso tudo aí mesmo no mundo, na dedicação que recebi de seu carinho, mas entendo isso muito mais agora, quando a Renatinha está em seu pensamento com a nossa Carmem, que lhe deixei por filha do coração.
10 A princípio, lutei muito. Os assuntos da morte na Terra são ainda terra devoluta que ninguém se anima a cultivar.
11 Lembro-me do fim do campo, apenas memorizando a paisagem que me punha perto de Arraias, mas a verdade é que a queda do carro num lugar profundo me desorientou completamente. 12 Por muito que procurasse salvar a mim mesmo, qualquer movimento era como que uma sentença a ferir-me de tal modo que a noção de mim se foi como se desmaiasse. 13 O que passou depois, não mais sei. Penso que Deus cria em nossa vida intracraniana certos nervos de misericórdia que fazem com que nos apaguemos na hora dos grandes sofrimentos.
14 Seria sono o que senti? Não sei.
15 Ouvi depois muitas vozes, mas não via ninguém. Pensava na senhora, em nossa Carminha, nossa querida Carmem Cenira, ansiando tomar-lhes as mãos.
16 Meu Deus, a gente crê no mundo que isso não pode acontecer. Temos notícias de acidentes que parecem remotos e ouvimos descrições de certas provas, como se nunca houvéssemos de ser por elas atingidos.
17 Mãezinha, os conflitos de seu André foram enormes. Notara que minha voz se erguia da garganta, mas a boca parecia uma porta sem eco.
18 Chorava de mim para comigo e chamava a senhora e Carmem, como quem desejava a última possibilidade de salvação.
19 Foi quando vi alguém me tomar ao colo, carinhosamente. Aquela voz forte e amiga não me enganava, era meu pai Jovelino a pedir-me coragem e fé. Abracei-me a ele, como se me fizesse menino outra vez, e chorei começando a sentir o desmaio a que me referi.
20 Sonhei com você, mamãe, dando ordens para que me buscassem, ouvia suas exclamações lacrimosas, e enxergava a Carmem no sonho, até que tudo desapareceu.
21 Acordei mais tarde num hospital em que o ar puro me impressionava.
22 Quis apelar ainda para a ideia de pesadelo, mas os nossos velavam. Meu avô Abel, talvez mais valoroso para erradicar a emoção que me dominava, deu-me a realidade. 23 Perdera o corpo na viagem, decerto, atendendo às leis de Deus que me haviam marcado lugar para aquela ocorrência, 24 mas ainda assim ligando o pensamento para a nossa casa em que havia sonhado tantas alegrias para o mês de maio, escutei seus chamados e, embora contendo os impulsos de homem que aprendeu a vestir-se de aço para enfrentar as dificuldades do coração, chorei muito.
25 Somente aí, creio eu, pude dar valor real à oração, porque me senti tão fraco e tão pequenino diante do que acontecera, que não havia para mim outra solução, senão apoiar-me na fé.
26 Pedi a Deus por nós todos, e, aceitando a provação que nos colhera, pude saber que a senhora e vovó Francisca e Carmem Cenira oravam também.
27 Um bálsamo me aliviou as feridas invisíveis. Depois de alguns dias daqueles exercícios santos, e venho procurando agora, por todos os meios possíveis da, minha pequenez, ajudá-las a vencer o que ficou de sombra e pesar, de dias de suplício mental daquele dia onze.
28 Venho pedir à senhora e à nossa Carmem para que continuem me auxiliando. Preciso ser forte, espiritualmente.
29 Por vezes ainda me sinto naquela fossa em que me precipitei inadvertidamente. Preciso ter fé constante e certeza firme de que vencerei.
30 Quando a senhora e Carmem desanimam, as experiências para mim ficam muito difíceis.
31 Mamãe, ampare-me com a sua coragem. Carmem agora é sua filha e a Carminha Renata é a filhinha que lhe coloquei nos braços como sendo a única flor que seu filho lhe poderia deixar.
32 Não pensem que pudesse ter havido alguma força capaz de evitar a queda que sofri. O caminho de seu filho devia terminar ali, entre aqueles barrancos movediços.
33 Vivo agora estudando assuntos da morte dentro da vida, e, mais tarde, poderemos comentar o porquê daquela situação.
34 Continue, mãezinha, tal qual é, auxiliando aos outros e esperando por Deus. Deus está no dia claro e nas noites de tempestade, no espinho e na rosa.
35 Precisamos de muita fé no poder misericordioso que nos faz viver, trabalhar e pensar. Mãe querida, continue.
36 O bem ao próximo com a luz da fé representa na vida o essencial. E os seus sacrifícios por nós serão compensados por Deus.
37 Não acredite que seus esforços para educar seu filho foram perdidos, que as suas noites de insônia foram vazias.
38 Nós estamos aqui, mamãe, e sabemos que a sua dor foi a nossa felicidade. A senhora será protegida, como sempre.
39 Ajude Carmem e Carminha, como me ajudou. Vovó Maria e vovô Pereira pedem muita paciência.
40 Mãezinha, nenhum esforço no bem está perdido, na vida tem contabilidade certa, mas peço-lhe não chorar e nem pensar em vir mais depressa para cá a fim de encontrar-me. Tenha serenidade, aquela serenidade que a senhora me ensinou.
41 As dificuldades não são feitas para ficar, elas são como as nuvens que nunca se fixam, porque o que persevera nos Céus de Deus é a luz bendita do Sol.
42 À querida mamãe, à nossa querida Carmem, ao Abel e à nossa querida Carmem Renata, muitos beijos.
43 Não quero que me considerem morto. Estou vivo e espero tranquilizar-me para trabalhar e servir com segurança.
44 Vários sacerdotes amigos muito me auxiliaram, inclusive o Padre Balduíno, de Posse, que afirma carinhosamente ser amigo de nossa família.
45 Mamãe, a saudade parece estar aqui agarrada entre o meu coração e o lápis.
46 Quero terminar esta carta, não posso mais ampliar o uso que me concederam do tempo, mas quero dizer à senhora que o ponto final é só na imaginação.
Urueno Gonçalves dos Santos
Da excelente reportagem de Márcia Elizabeth de Souza “A volta de André através de Chico Xavier” —, publicada no jornal O Popular, de Goiânia, n extraímos a mensagem a que demos o título de “As dificuldades não são feitas para ficar” e os elementos comprobatórios da aludida página mediúnica.
“André, funcionário da Slavieiro S/A de Brasília,” — diz a ilustre repórter — “aos 33 anos de idade, dirigia-se à cidade de Arraias, Goiás, ao volante de seu automóvel.
Ali, ele venderia máquinas agrícolas.
A 18 quilômetros da cidade, tentou fazer uma curva fechada. Era noite alta e na escuridão não pôde evitar que seu veículo colidisse violentamente com a ponte e os barrancos, tendo morte instantânea.
Quem mais sofreu com seu desaparecimento foi sua mãe, dona Astrogilda Gonçalves Pereira. Católica praticante, ante a insistência de amigos espíritas, dez meses depois foi a Uberaba, a quatro de março último, onde Francisco Cândido Xavier a recebeu.”
Afirmando que Dona Astrogilda e seu outro filho, Abel chegaram a Uberaba, e, posteriormente ao Grupo Espírita da Prece, prossegue:
“As apresentações foram rápidas, não tendo sido relatado nenhum pormenor ao médium sobre a vida de André. Somente uma sua fotografia 3x4 foi vista por Chico. A entrevista da mãe e médium não durou mais de dois minutos.
Para surpresa dos seus familiares, durante as realizações das tarefas mediúnicas, programadas para a noite, Chico recebeu mensagem assinada por Urueno Gonçalves dos Santos (verdadeiro nome de André, apelido carinhoso que recebeu do médico Jairo Ferreira de Castro, quando do seu nascimento, e, usado pelos familiares mais íntimos).
Revelações completamente desconhecidas pelo médium foram trazidas por André, com citações apenas compreendidas pelos seus familiares, tais como:
Mãe : Astrogilda Gonçalves Pereira.
Pai: Jovelino Pereira dos Santos (que morreu em dezembro de 1953, na cidade de Inhumas — GO).
Esposa: Carmem Cenira Miller Gonçalves.
Filha: Carmem Renata Miller Gonçalves.
Vovô Abel: avô materno já desencarnado.
Vovô Joaquim: avô paterno, também desencarnado.
Vovó Francisca: avó materna, encarnada.
Vovó Maria: Bisavó paterna, desencarnada.
Vovô Pereira: Bisavô paterno, desencarnado.
Padre Balduíno: amigo de André, desencarnado.”
São tantos os pontos altos da mensagem, doutrinariamente falando, que nos sentimos numa posição de absoluto constrangimento: devemos lembrar ao leitor o que o Espírito nos alerta sobre o valor da oração; a prova inconcussa de que não existe o acaso; a presença amorosa dos familiares desencarnados, o imperativo da conformação para os que prosseguem palmilhando os caminhos do mundo?
Desobrigando-nos de entrar em detalhe sobre semelhantes itens que mereceram o enfoque do Autor Espiritual, limitamo-nos a tão somente sugerir a todos aqueles que nos prezam com a sua atenção o estudo sistemático das obras de Allan Kardec, tanto quanto se lhes faça possível, refletindo em tudo quanto escreveu o insigne Codificador do Espiritismo.
[17] O Popular, Goiânia, 03/04/1977.