Figueiredo Silva
1 Apagara-se a luz, de pupila a pupila!…
Começa noite enorme! O quarto faz-se escuro…
Rígido, o corpo lembra inesperado muro,
Carga de pedra e cal que me prende e aniquila!…
2 Em torno escuto ainda a palavra intranquila
Dos que choram na sombra em que me desfiguro!…
Guardo estranha aflição, no temor do futuro,
Espírito algemado a casulo de argila.
3 Em vão clamo sem voz na dor que me subleva…
Mas de repente, oh! Deus! um clarão rasga a treva,
Sinto o afago de alguém… Vejo-me de alma erguida!…
4 Torno a ver minha mãe, na morte que transponho,
E em seus braços de amor, como na luz de um sonho,
Encontro, além da Terra, a vida de Outra Vida!…
Antero de Quental
1 Além da morte, além da sepultura,
Onde a Ciência encontra a paz do nada,
Começa a luminosa e longa estrada
Que reconduz à vida eterna e pura.
2 Na carne é o pesadelo, a noite escura,
A fantasia e a luz abandonada.
Na alma liberta a santa madrugada
Na alegria de nova semeadura.
3 Oh! viajores, no inverno dos caminhos,
Aves cansadas dos terrestres ninhos,
Vencei as dores para bendizê-las…
4 Aguardai a Divina Primavera,
Que outra vida mais alta vos espera
Entre as rotas sublimes das estrelas!
Irmão Saulo
A última lição de Jesus, através do seu corpo carnal, foi a do túmulo vazio. Até hoje os homens se aturdem ante esse mistério. Muitos chegam mesmo a entregar-se a verdadeiros delírios da imaginação para explicá-lo, e outros o tomam como fundamento de teorias absurdas sobre a natureza de Jesus. Mas Ele, que se igualara aos homens para auxiliá-los nos caminhos do mundo, não quis deixar a Terra sem esgotar até a última possibilidade de ensinar por meio do corpo. Esse, apenas esse o sentido daquele vazio que as mulheres encontraram na manhã de domingo, quando o foram procurar no túmulo. Seu último gesto físico foi total e sua última lição através do corpo foi absoluta: os túmulos estão vazios.
No soneto de Figueiredo Silva, “Morte e Reencontro”, temos a confirmação mediúnica desse princípio evangélico. O filho angustiado pela morte rompe as trevas do velório ao receber o afago da mãe que o vem buscar para a vida espiritual. O cadáver rígido irá sozinho para o túmulo que permanecerá vazio. A morte do corpo não é a destruição do ser. É preciso afastar essa barreira para que a verdade se restabeleça e o pensamento dos vivos da Terra se dirija, liberto, ao coração dos vivos do Além.
O soneto de Antero de Quental, “Além da Morte”, serve de complemento à mensagem de Figueiredo Silva, anunciando a Divina Primavera que nos espera a todos, como herança do espírito após a passagem pela vida terrena. Esses dois sonetos figuram em livros diferentes de Chico Xavier, publicados em datas diversas. Reunimo-los aqui e estamos certos de que esse duplo testemunho de dois Espíritos elevados, na expressão poética que os caracterizou em vida, valerá por uma mensagem da vida triunfante, no momento em que a lembrança da morte obscurecer e amargurar a mente das criaturas.
Muitos leitores escrevem perguntando por que motivo não recebem mensagens de seus entes queridos que já partiram para a outra vida. “Se todos estão vivos, como afirma Chico Xavier — escreve um deles — por que não podem comunicar-se por seu intermédio?”
Mas, por acaso, isso não acontece aqui mesmo, na vida terrena? Quantas vezes ficamos meses e anos sem notícias de pessoas queridas que partiram para longe, e que, apesar de nos guardarem a lembrança e a saudade, não podem nos escrever por motivos vários?
A vida espiritual é a outra vida e, por isso mesmo, os Espíritos nem sempre dispõem da possibilidade de comunicar-se com os que ficaram nesta. Não obstante, pelo pensamento e a prece podemos enviar-lhes as nossas mensagens.
[1] Esta mensagem foi publicada originalmente em 1945 pela FEESP e é a 55ª lição do livro “Coletânea do Além”