O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas de uma morta — Maria João de Deus


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Nos domínios das recordações

(Sumário)

1. Nos Planos da erraticidade, onde me encontrava, poucos eram os seres cuja mente, em toda a intensidade das suas vibrações, já havia desabrochado o domínio das lembranças relativas às existências passadas.

2 Nesses tempos imediatos ao post-mortem, repontados de impressões físicas, as quais persistem em algumas entidades anos a fio, a vida é quase cópia da existência da personalidade terrena 3 e foi assim que conheci inúmeros companheiros, que duvidavam dos ensinamentos dos mestres quando se referiam aos pretéritos longínquos; e alguns deles me asseveravam não poderem admitir a multiplicidade das existências da alma. 4 Semelhantes crenças eram o atestado da ignorância de quantos as abrigavam, pois, como nos Planos terrestres, ou nas regiões que vos são ainda imponderáveis, a Natureza não dá saltos.

5 Naquele ambiente misturavam-se os protestantes, os católicos, os professos de outras seitas, inclusive espíritos que militam nas hostes do materialismo mais avançado na superfície da Terra, e se aquelas falanges de almas não eram más, também não eram perfeitas. Não discutiam acaloradamente, mas cada uma preferia guardar os seus pontos de vista em matéria religiosa, acariciados durante a vida inteira pela mais estranha devoção.


A revelação decisiva para os religiosos e os ateus


2. É verdade que nós, os católicos, não encontráramos o purgatório e os seus instrumentos de suplício depurador, nem o inferno e as suas tenazes demoníacas, ou o paraíso lotado de anjos e virgens. 2 Os protestantes de certas escolas reconheceram-se despertos, sem o sono em que se diz estarem mergulhados os mortos, à espera do juízo final.

3 Nós, os religiosos, não acharemos o que nos prometiam as nossas Igrejas, como os ateus não encontrarão o nada em que acreditaram. A posição de todos, porém, nesse assunto, era de expectativa, segundo presumi, e cada qual se escorava nas suas interpretações pessoais, à espera de que os acontecimentos corroborassem as suas desconfianças.

4 A ignorância, de que dávamos testemunho com as nossas dúvidas em face daquilo que os pregoeiros da verdade nos vinham ensinar, era oriunda de nossa persistência no atraso espiritual, infensos a toda ideia nova e arraigados em concepções que precisávamos banir para sempre, em benefício do nosso progresso.  5 Essa resistência obstava a necessária amplitude de estado vibratório do nosso Espírito para que nele desabrochassem as recordações adormecidas. É assim que justifico a ignorância havida com respeito ao passado.


A necessidade de difusão das verdades espirituais


3. Através destas palavras reconhecereis como se faz preciso a difusão das verdades espiritualistas no mundo; só elas servem de base a todos os edifícios religiosos, escoimando a mente de fardos perigosos.

2 Habituada a acatar incondicionalmente os ensinamentos da Igreja, mantinha também as minhas vacilações quanto à crença nas existências passadas. Por que não me lembrava delas, já que não possuía mais o corpo terreno? Já que a morte me havia arrebatado dos Planos materiais, era natural que não tivesse justificativa aquele esquecimento.

3 Entretanto, todos os mentores espirituais que nos dirigiam, discorriam sobre o nosso pretérito longínquo… Falavam dos compromissos a resgatar, das dívidas penosas, das lutas necessárias ao nosso desenvolvimento.


A explicação do mestre


4. Intrigada com esses problemas procurei, como sempre fiz, apelar para as almas beneméritas que nos guiavam em nossa ignorância. Um desses mestres explicou-me:

— “A descrença e a hesitação de que vos achais possuída é, ainda, questão das ideias reflexas, das quais só o tempo, aliado ao bom desejo, vos poderá despojar. 2 A vossa mente é quase a mesma que no mundo vos caracterizava. É preciso meditar muito sobre esta condição, porque as impressões que trouxestes podem perdurar por largo tempo, caso não desejeis com sinceridade evitar essa ignorância e cegueira espirituais.”

3 Solicitei a sua assistência e auxílio ao que ele prometeu coadjuvar no mesmo instante, a fim de me certificar quanto à realidade das existências transcorridas.


Visões comovedoras do passado


5. Pediu que me conservasse mentalmente numa atitude passiva e, com as mãos sobre a minha fronte, colocou-se na posição de magnetizador. A princípio senti a sensação de abalo, mas sem o mais leve traço de sono ou de inconsciência, experimentando antes um extraordinário aumento de lucidez e observando maior agudeza de percepções, comecei, então, a ver, não exteriormente, mas em meu íntimo, uma série de coisas e de acontecimentos a que me sentia indissoluvelmente ligada sem o saber. 2 Vi seres aos quais me pressentia jungida por inquebrantáveis algemas e lhes ouvi a voz terrível ou acariciadora… Eu ia compreendendo todos esses fatos que se sucediam uns aos outros.

3 Ah! Se vi algo nesses panoramas retrospectivos que me trouxe gratos prazeres ao coração, também enxerguei as misérias de minhalma necessitada de esclarecimento e redenção e, — se não é possível relatar todas as visões daqueles minutos em que me coloquei sob o império da excitação vibratória provocada pela bondade do meu guia com os seus poderosos fluidos, — posso dizer-vos de uma cena tocante, eternamente gravada em meu Espírito.


História de uma reencarnação


6. Experimentei nessas sensações de volta ao passado o vácuo de meu coração envenenado pela atração dos gozos mundanos, antes de retornar ao orbe para minha derradeira encarnação; vi-me como um ser errante, sem destino, crucificado pelo isolamento e pela condenação da consciência poluta. 2 Perambulando, mas retida no mesmo lugar como se fora chumbada ao solo, encontrei alguém que reconheci ser um Espírito querido à minha existência. Aproximei-me, então, depois de longa ausência, daquela que me serviu de mãe, a quem conhecestes. Como me sensibilizou vê-la naquela situação de humildade, lutando com mil asperezas num destino de pobreza ingrata!

3 Acerquei-me daquela jovem de faces maceradas nos trabalhos e lembrei as alegrias mentirosas de que fomos partícipes no passado. Tive ímpetos de incitá-la a abandonar as tristezas da sua vida material, mas uma voz imperiosa ordenou que eu me prostrasse de joelhos.

4 Contemplei genuflexa o seu semblante cheio de serena grandeza no infortúnio e chorei, chorei, muito, exclamando:

— “Oh! tu que já sorveste comigo, na taça das efêmeras felicidades da Terra, o mesmo vinho de envenenado sabor, e que hoje resgatas na túnica dos pobres e dos humilhados as dívidas de outrora, ajuda-me em meus bons desejos… Eu quero também esconder nos trapos da plebe anônima e sofredora as úlceras da minha enorme desdita. 5 Lavarei com lágrimas as nódoas da minha consciência, seja eu sangue do teu sangue, carne da tua carne! Dá-me das tuas vestes e das tuas preocupações, dá-me dessas dores que hoje te crucificam e desses desgostos que desfazem os teus enganos e ilusões, porque só eles, só esses sofrimentos salvadores, balsamizarão as minhas feridas, devolvendo-me a paz consoladora.

6 “Recebe-me, ó Espírito bem amado, afaga-me em teu carinhoso regaço para eu adormecer esquecendo!… Eu tenho necessidade de olvido numa luta nova!…”

7 Nessas rogativas sinceras, vi que o rosto daquela mulher se cobria de lágrimas; pensamentos tristes e amargosos envolviam-na. É que os meus apelos repercutiam no seu coração.

8 Chorando, chorando, senti-me exausta de forças, sem poder erguer-me da prostração; vibrações de uma brisa misteriosa varriam, entretanto, do meu cérebro esgotado, as mágoas e as preocupações.

9 Eu perdia a consciência de mim mesma… É que dava o primeiro passo para o meu renascimento na Terra e, segundo os meus desejos, aquela mulher me recebia em seu seio para, igual a ela, sorver o fel da provação redentora e, imitando-a, fui também mãe para sofrer e me redimir.


Maria João de Deus


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