1 Assunto difícil este,
Meu caro Gino Salerno,
Comentarmos de outra vida
O que existe sobre o inferno.
2 Em tempos que já se foram,
Eu também pensava assim:
O inferno, depois da morte,
Seria fogo sem fim.
3 Mais tarde, a luta crescendo,
Olvidei o mundo antigo
Mas nunca larguei de todo
De certo medo a castigo.
4 Acreditava que a morte
Depois de nossos fiascos,
Colocasse à nossa frente,
Algemas, troncos, carrascos…
5 Sofrimentos, em verdade,
Não faltam no Mais Além:
Impedimentos, prisões
E adversários do bem.
6 Espíritos infelizes
Inventam charcos e dores
Criando painel imenso
Das trevas exteriores.
7 No entanto, por mais abismos
A que a pessoa se lança,
A Lei de Deus determina
Que a ninguém falte esperança.
8 Tal qual sabemos na Terra,
Para além da sepultura,
O que se tem no caminho
É aquilo que se procura.
9 A culpa é desequilíbrio
Sob impulsos insensatos,
E a mente resguarda, ao vivo,
A conta de nossos atos.
10 O inferno, por isto mesmo,
Seja ele o mais atroz,
É o conflito dos conflitos
Que surgem dentro de nós.
11 Cada qual transporta em si
— Do mais crente ao mais ateu, —
O resultado infalível
De tudo quanto escolheu.
12 Por simples anotações
E ensinamentos gerais,
Recordarei com você
Vários casos infernais.
13 Você lembra a sovinice
Do fazendeiro Adão Noce,
Desencarnado, agarrou-se
Aos sofri mentos da posse.
14 Querendo vingar o filho
Enlouqueceu Dona França,
Mas vive depois da morte
Atarracada à vingança.
15 Morreu pisando nos outros,
Nhô Lino do Lumaréu,
Sem corpo, mora no barro
Mas pensa que está no Céu.
16 Finou-se atracado à gula
O nosso Antonino Lodi;
Agora, enxerga a comida,
Que tocá-la mas não pode.
17 Foi-se a tóxicos violentos,
Juquita de Dona Altina;
No Além, anda alucinado,
Reclamando cocaína.
18 De tanto excesso em bebida
Morreu Nhô Nico da Alfafa;
Hoje, vê tudo o que encontra,
Sob a forma de garrafa.
19 Morreu Nhô Juca, usurário
No Roçado da Moenda;
Mesmo assim, vive ligado
Nas porteiras da fazenda.
20 Ódio e briga? Escute esta:
Desencarnado, o João Fava
Foi chamado a proteger
O genro que detestava.
21 O assunto é isso, meu caro,
Sem engano e sem talvez,
Só se recolhe da morte
A vida que a gente fez.
22 Céu, inferno e purgatório,
Sejam daí ou daqui,
Cada pessoa carrega
O que buscou para si.
Cornélio Pires
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