1 De vez em quando, deixo o abafamento de lado e me entrego ao xingatório desorientado. Os amigos, por aí, se me vissem numa dessas, me tomariam por perigoso obsessor, inconformado com as leis de Deus.
2 Inconformado? Quem sou eu para semelhante proeza! Já sei que os momentos de impaciência nada produzem de bem, mas a choradeira é livre aí e aqui e não posso fazer banca de santo para enganar os outros, ao me colocar de joelhos.
3 A vida é esta mesma e temos de tolerar o que julgamos infortúnio para nós, embora os Protetores destas plagas nos assegurem que estou numa das melhores posições diante da vida.
Carmelo Grisi
(06.02.1988)
4 Filhos, ando melhor, mas considerando que a morte é o azar de que se fala. Quero colaborar com vocês e não vejo o corpo que me servia. Isso é um contratempo.
5 Mesmo arrastando, um pai amigo não deve se afastar dos filhos, mas a morte é uma espécie de Decreto de Deus de que ninguém consegue fugir.
6 Sei que a oração pode muito, mas temos casos imediatos, como, por exemplo, o capítulo das agressões. 7 Se visse um malfeitor atacando vocês, eu oraria, pedindo a Deus nos socorra, mas sou humano e faria tudo para agarrar o tratante pela gola da camisa e apresentá-lo à polícia. E se a polícia ficasse na vida mansa, eu saberia tomar a providência da luta brava.
8 Não julguem que me tornei espírito obsessor. Estou consciente. Cada um arreia o burro conforme a vontade do dono e por isso tenho o meu jeito de colaborar com a justiça, quando a justiça prefere dormir. 9 Não estou prosando. Falo com sinceridade. O meu estado de espírito é este mesmo. Carmelo sem grito não seria Carmelo.
Carmelo Grisi
(09.03.1985)
10 Vocês se cuidem por aí, sustentando-se no corpo físico tanto quanto puderem, porque reafirmo que a morte não dá moleza para ninguém. 11 É tanto exercício a que sou obrigado na esfera de serviço em que me vejo, que ainda continuo de cabeça dura nos freios da disciplina.
12 Parece a mim que desejam nossos amigos daqui que eu faça tudo quanto deixei de fazer de bom na Terra, qual se eu fosse um burro de carga na obrigação de transportar as cangalhas que não suportei, deixando-as na retaguarda.
13 Isso não é fácil. Ser bonzinho a prestações, alguns minutos por semana ou por dia, vá lá! Mas afável com todos a todo o instante, para que nos habituemos a ser bons de fato, a toda hora, é serviço duro de roer para qualquer.
14 Uma dose cada dia, tudo bem, mas tomar em poucos dias tudo o que se deixou para trás a fim de ser feito, é um fogo forte nas brasas de cada minuto.
15 Tenho esse encargo por aqui e não vejo a hora em que decerto me pedirão para usar as asas dos anjos. Mas tudo é vida e a vida é essa mesma surpresa: dificuldades, obstáculos, desencanto e tristeza, em doses menores, mas somando sempre o remédio da regeneração que se deve sorver de uma vez só.
16 A nossa Cida me enternece com essas recordações afetuosas e constantes acerca de seu velho Carmelo. Muito obrigado! Mais vale um amigo velho na praça do que um amigo moço longe dela.
Carmelo Grisi
(04.12.1983)
ELUCIDAÇÕES
Em algumas de suas mensagens, Carmelo mostra-se mais inconformado com sua situação no Além do que em outras. Nos momentos em que se sente requisitado pelos familiares com problemas, dá-nos a impressão de que está em uma instituição corretiva de onde não consegue sair Em outras ocasiões tenta dourar a pílula dos amargos remédios que experimenta na dura disciplina aplicada a si mesmo.
Durante esses anos em que se adapta ao mundo espiritual, ele produz um gráfico de seu equilíbrio com baixos e altos, decorrente das crises emocionais e momentos de paz obtidos pela aceitação e resignação.
A retomada de novos hábitos, consentâneos com as prementes necessidades dos momentos críticos é sempre dolorosa.
Diante de qualquer atividade ou trabalho que bitolava ou oprimia a mente, ele sempre se rebelava com recursos imprevisíveis, como os da ruidosa ironia, ou na criação de situações cômicas que obrigavam os implicados a parar para raciocinar sobre o que estavam fazendo.
Sua luta agora é travada consigo mesmo. Aqueles mesmos recursos de que lançara mão para livrar seus semelhantes da auto-hipnose em que se enredavam, estão direcionados para a sua própria pessoa. E isso é um osso duro de roer, como ele disse.
Seus desabafos podem até levar o leitor menos avisado a imaginá-lo confuso e perturbado, a ponto de ter ideias perigosas. Mas, ao contrário, não passam de um jogo para exorcizar suas frustrações, porque no fundo, ele até se diverte com as reações que provoca nas pessoas e sabe que elas são salutares, pois induzem-nas a reavaliarem-se diante da vida.
Carmelo sempre quis chamar atenção sobre si, buscando a simpatia dos que estavam à sua volta, ao mesmo tempo que se doava, oferecendo amizade e otimismo.
Dr. Dias da Cruz em uma de suas mensagens nos informa sobre os recursos psicoterápicos: “…dispomos, atualmente, na moderna psicanálise, da psicologia do desabafo como medicação regeneradora. A confissão do paciente vale por expulsão de resíduos tóxicos da vida mental e o conselho do especialista idôneo age por doação de novas formas-pensamentos…” n
Que riqueza de ilações podemos tirar dessas confissões! Quantas lições temos aprendido com o nosso amigo Carmelo!
Gerson Sestini
[10] “Instruções Psicofônicas” — Francisco Cândido Xavier/Arnaldo Rocha, Capítulo 65 — Edição FEB.