1 Querida Cida.
Você me pediu notícias diretas, solicitou para que eu mesmo as escrevesse e a nossa própria Elvira me trouxe até aqui, de modo a tranquilizá-la. 2 Agradeço as suas lembranças, as suas preces, as suas flores. 3 Vou melhor, mas ainda com os remanescentes da condição de fixação avançada no desgaste físico de que me senti presa por tanto tempo.
4 Você foi a minha enfermeira e mãe. Compreenderão todos que não posso mudar os meus sentimentos. 5 A sua voz, cada manhã, está comigo: — “Como passou você, meu filho?”.
6 Erguia os meus olhos cansados para saber que a pergunta vinha de você mesma e empenhava-me com todas as forças de que era capaz, a fim de recompor a minha audição para ouvi-la.
7 Tudo está impresso em minhas lembranças. Às vezes, respondia com calma e de outras, guardava a suposição de que me achava em serviço pesado e gritava quase: — “Porta miséria! Será isso a vida?”
8 Esta palavra “porta” vem do conselho de nossa Elvira que me pede não empregar a verdadeira expressão de que me valia. n
9 Agora, querida Cida, vou melhorando. Tenho ainda a cabeça tonta. Às vezes, não sei se estou em Rio Preto ou em Votuporanga. 10 Custo a reformar-me. O nosso amigo Dr. Orlando me afirma que isso tudo é sequela da morte. 11 Eu que não sabia o que fosse sequela, fico aprendendo, mas aproveito a explicação dele para dizer a você que este comunicado é consequência do meu respeitoso amor por você, que me ofereceu tantas bênçãos sem que pudesse, de minha parte, retribuir.
12 Elvira sabe quanto carinho devo à sua bondade e, com aquela grandeza tão dela, nos deseja sempre unidos e me esclarece que nunca me desejou na posição de companheiro mal agradecido.
13 Procuro conversar com os amigos que vieram por último para cá e recolho experiências. O Germano e o Etore Zini me auxiliam quais fôssemos alunos da mesma classe de principiantes da Espiritualidade.
14 Quem diz que o Espírito sai voando do corpo que se cuide. Há muito caminho para ser transitado. Pernas fracas, corpo ruim, coração disparado, memória esquecida e pesadelos estão por aqui comigo como estavam aí. Temos tratamentos e exercícios de retomada de nós mesmos.
15 Acho engraçado chegarmos aqui tão envelhecidos e recebermos instruções para pensar em mocidade e saúde, robustez e agilidade mental e os professores e médicos dos setores em que me vejo ensinam que tudo isso está dentro de nós mesmos e que somos obrigados a reviver as células adormecidas de nosso envoltório espiritual.
16 Em muitas ocasiões, chego a rir de mim, no entanto, faço o que me mandam. Não nego que certas energias em mim estão acordando como se estivessem paradas num grande sono. 17 Ainda bem que isso acontece por aqui, porque se fosse aí em Votuporanga ou em qualquer lugar, os nossos amigos não acreditariam que o nosso carinho fosse o de filha e pai enfermo, porquanto a ideia do casamento talvez até que balançasse a nós mesmos.
18 É preciso colocar alegria nos assuntos da morte física, porque isso por aí anda muito embrulhado. 19 Lamento não dispor de recursos para demonstrar que a vida depois da desencarnação é reavivamento e recomposição com base nos meios de nosso próprio Espírito.
20 Escrevo assim muito, porque o nosso amigo Dr. Orlando recomendou que eu desabafasse mesmo, porque preciso dizer aos velhos, quanto eu fui, para que não temam a jornada da grande mudança. Todos encontrarão, creio eu, o que eu encontrei: corpo em desgaste imaginário para ser recauchutado com o nosso próprio esforço de dentro para fora.
Carmelo Grisi
(17.01.1981)
ELUCIDAÇÕES
Nesta 2ª mensagem, dada 9 meses e meio, ou mais precisamente 295 dias depois do desenlace físico, Carmelo já se sente mais fortalecido e com maior liberdade para escrever. Não obstante, nota-se a censura de sua esposa Elvira que lhe estava ao lado para uma expressão em italiano, comum em sua boca, fazendo-o trocar a letra de uma palavra.
A ligação mental entre ele e Cida, que se estreitou no final da existência, está muito clara nesta carta dirigida a ela. As referências feitas aos familiares, tiramo-las para mostrar o essencial nesta comunicação.
Relembrando seu estado na fase final da vida física Carmelo diz: — “Tudo está impresso em minhas lembranças”. Ora, o centro da memória estivera apagado no cérebro material, mas o cérebro espiritual registrara tudo o que se passara e agora ele podia lembrar-se daquela fase. A janela que fora fechada, estava aberta e ele recondicionava suas faculdades mentais da sequela da morte.
Notemos também a referência aos exercícios para fazer reviver as células adormecidas do envoltório espiritual.
Valiosos apontamentos são encontrados aqui para aqueles que assistem pessoas idosas. Muitas vezes, eles veem suas esperanças de efetivas melhoras esvaírem-se pelo agravamento dos sintomas; diante da irreversibilidade do estado físico frustram-se e desanimam. Se os familiares dos idosos e os profissionais ligados à área da geriatria aceitassem, todos eles, a continuidade da vida além da decrepitude e da morte biológica, não ficaria a sensação do vazio de não alcançarem a resposta almejada em seus tratamentos. As melhoras se efetuarão sim, mas no corpo espiritual.
O amor e a dedicação com que tratarem os idosos ser-lhes-ão retribuídos por estes, rejuvenescidos no Mundo Espiritual, prontos a lhes dar apoio e incentivo nos seus trabalhos.
Gerson Sestini
[1] [“Porca miséria!”]