O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Contos e apólogos — Irmão X


15

O enigma da obsessão

1 Comentávamos em círculo íntimo o inquietante enigma da obsessão na Terra, alinhando observações e apontamentos.

2 Por que motivo se empenham criaturas encarnadas e desencarnadas em terríveis duelos no santuário mental? Que a vítima arrancada ao corpo, em delito recente, prossiga imantada ao criminoso, quando a treva da ignorância lhe situa o espírito a distância do perdão, é compreensível, mas como interpretar os processos de metodizada perseguição no tempo? 3 Como entender o ódio de certas entidades, em torno de crianças e jovens, de enfermos e velhinhos? Por que a ofensiva persistente dos gênios perversos, através de reencarnações numerosas e incessantes?

4 No mundo, os assalariados do mal comprometem-se ao redor de escuros objetivos…

5 Há quem se renda às tentações do dinheiro, do poder político, das honras sociais e dos prazeres subalternos, mas em derredor de que razões lutam as almas desenfaixadas da carne se para elas semelhantes valores convencionais de posse não mais existem?

6 Longa série de “porquês” empolgava-nos a imaginação, quando Menés, otimista ancião do nosso grupo, à maneira de carinhoso avô, falou bem humorado:

— A propósito do assunto, contarei a vocês um apólogo que nos pode conferir alguma ideia acerca do nosso imenso atraso moral.

7 E, tranquilo, narrou:

— Em épocas recuadas, numa cidade que os séculos já consumiram, os bois sentiram que também eram criaturas feitas por nosso Pai Celestial, não obstante inferiores aos homens. Sentindo essa verdade, começaram a observar a crueldade com que eram tratados. 8 O homem que, pela coroa de inteligência, devia protegê-los e educá-los, deles se valia para ingratos serviços de tração, sob golpes sucessivos de aguilhões e azorragues. Não se contentando com essa forma de exploração, escravizava-lhes as companheiras, furtando-lhes o leite dos próprios filhos, reservando-lhes à família e a eles próprios horrível destino no açougue. 9 Se alguns deles hesitavam no trabalho comum, sofrendo com a tuberculose ou com a hepatite, eram, de pronto, encaminhados à morte e ninguém lhes respeitava o martírio final. Muitas pessoas compravam-lhes as vísceras cadavéricas ainda quentes, tostando-as ao fogo para churrascos alegres, enquanto outras lhes mergulhavam os pedaços sangrentos em panelas com água temperada, convertendo-os em saborosos quitutes para bocas famintas.  10 Não conseguiam nem mesmo o direito à paz do túmulo, porque eram sepultados, aqui e ali, em estômagos malcheirosos e insaciáveis. Apesar de trabalharem exaustivamente para o homem, não conseguiam a mínima recompensa, de vez que, depois de abatidos, eram despojados dos próprios chifres e dos próprios ossos, para fortalecimento da indústria… 11 Magoados e aflitos, começaram a reclamar; contudo, os homens, embora portadores de belas virtudes potenciais, receavam viver sem o cativeiro dos bois. Como enfrentarem, sozinhos, as duras tarefas do arado? Como sustentarem a casa sem o leite? Como garantirem a tranquilidade do corpo sem a carne confortadora dos seres bovinos? 12 O petitório era simpático, mas os bichos se mostravam tão nédios e tão tentadores que ninguém se arriscava à solução do problema. Depois de numerosas súplicas sem resposta, as vítimas da voracidade humana recorreram aos juízes; entretanto, os magistrados igualmente cultivavam a paixão do bife e do chouriço e não sabiam servir à Justiça, sem as utilidades do leite e do couro dos animais. 13 Assim, o impasse permaneceu sem alteração e qualquer touro mais arrojado que se referisse ao assunto, a destacar-se da subserviência em que se mantinha o rebanho, era apedrejado, espancado e conduzido, irremediavelmente, ao matadouro…


14 O venerável amigo fez longa pausa e acrescentou:

— Essa é a luta multissecular entre encarnados e desencarnados que se devotam ao vampirismo. 15 Sem qualquer habilitação para a vida normal, fora do vaso físico temem a grandeza do Universo e recuam apavorados, ante a glória do Espaço Infinito, procurando a intimidade com os irmãos ainda envolvidos na carne, cujas energias lhes constituem precioso alimento à ilusão.  16 É desse modo que as enfermidades do corpo e da alma se espalham nos mais diversos climas. Os homens, que se julgam distantes da harmonia orgânica sem o sacrifício dos animais, são defrontados por gênios invisíveis que se acreditam incapazes de viver sem o concurso deles. 17 O enigma da obsessão, no fundo, é problema educativo. Quando o homem cumprir em si mesmo as leis superiores da bondade a que teoricamente se afeiçoa, deixará de ser um flagelo para a Natureza, convertendo-se num exemplo de sublimação para as entidades inferiores que o procuram… Então, a consciência particular inflamar-se-á na luz da consciência cósmica e os tristes espetáculos da obsessão recíproca desaparecerão da Terra… 18 Até lá, — concluiu, sorrindo, — reclamar contra a atuação dos Espíritos delinquentes, conservando em si mesmo qualidades talvez piores que as deles, é arriscar-se, como os bois, à desilusão e ao espancamento. 19 O ímã que atrai o ferro não atrai a luz. Quem devora os animais, incorporando-lhes as propriedades ao patrimônio orgânico, deve ser apetitosa presa dos seres que se animalizam. Os semelhantes procuram os semelhantes. Esta é a Lei.

20 Afastou-se Menés, com a serenidade sorridente dos sábios, e a nossa assembleia, dantes excitada e falastrona, calou-se, de repente, a fim de pensar.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir