1 Finda a cena brutal, em que o povo pretendia lapidar a mulher infeliz, na praça pública, ( † ) Pedro, que seguia o Senhor, de perto, interpelou-o, zelosamente:
— Mestre, desculpando os erros das mulheres que fogem ao ministério do lar, não estaremos oferecendo apoio à devassidão? Abrir os braços no espetáculo deprimente que acabamos de ver não será proteger o pecado?
2 Jesus meditou, meditou… e respondeu:
— Simão, seremos sempre julgados pela medida com que julgarmos os nossos semelhantes. ( † )
3 — Sim, — clamou o apóstolo, irritado, — compreendo a caridade que nos deve afastar dos juízos errôneos, mas porventura conseguiremos viver sem discernir? Uma pecadora, trazida ao apedrejamento, não perturbará a tranquilidade das famílias? Não representará um quadro de lama para as crianças e para os jovens? Não será uma excitação à prática do mal?
4 Ante as duras interrogações, o Messias observou, sereno:
— Quem poderá examinar agora o acontecimento, em toda a extensão dele? Sabemos, acaso, quantas lágrimas terá vertido essa desventurada mulher até à queda fatal no grande infortúnio? Quem terá dado a esse pobre coração feminino o primeiro impulso para o despenhadeiro? E quem sabe, Pedro, essa desditosa irmã terá sido arrastada à loucura, atendendo a desesperadoras necessidades?
5 O discípulo, contudo, no propósito de exalçar a justiça, acrescentou:
— De qualquer modo, a corrigenda é inadiável imperativo. Se ela nos merece compaixão e bondade, há então, noutros setores, o culpado ou os culpados que precisamos punir. Quem terá provocado a cena desagradável a que assistimos? Geralmente, as mulheres desse naipe são reservadas e fogem à multidão… Que motivos teriam trazido essa infeliz ao clamor da praça?
6 Jesus sorriu, complacente, e tornou:
— Quem sabe a pobrezinha andaria à procura de assistência?
7 O pescador de Cafarnaum acentuou, contrariado:
— O responsável devia expiar semelhante delito. Sou contra a desordem e na gritaria que presenciamos estou convencido de que o cárcere e os açoites deveriam funcionar…
8 Nesse ponto do entendimento, velha mendiga que ouvia a conversação, caminhando vagarosamente, quase junto deles, exclamou para Simão, surpreendido:
— Galileu bondoso, herdeiro da fé vitoriosa de nossos pais, graças sejam dadas a Deus, nosso Poderoso Senhor! A mulher apedrejada é filha de minha irmã paralítica e cega. Moramos nas vizinhanças e vínhamos ao mercado em busca de alimento. 9 Abeirávamo-nos daqui, quando fomos assaltadas por um rapaz que, depois de repelido por ela, em luta corpo a corpo, saiu a indicá-la ao povo para a lapidação, simplesmente porque minha infeliz sobrinha, digna de melhor sorte, não tem tido até hoje uma vida regular… 10 Ambas estamos feridas e, com dificuldade, tornaremos para a casa… Se é possível, galileu generoso, restabelece a verdade e faze a justiça!
11 — E onde está o miserável? — Gritou Simão, enérgico, diante do Mestre, que o seguia, bondoso.
— Ali!… Ali!… — Informou a velhinha, com o júbilo de uma criança reconduzida repentinamente à alegria. E apontou uma casa de peregrinos, para onde o apóstolo se dirigiu, acompanhado de Jesus que o observava, sereno.
12 Por trás de antiga porta, escondia-se um homem, trêmulo de vergonha.
Pedro avançou de punhos cerrados, mas, a breves segundos, estacou, pálido e abatido.
O autor da cena triste era Efraim, filho de Jafar, pupilo de sua sogra e comensal de sua própria mesa.
13 Seguira o Messias com piedosa atitude, mas Pedro bem reconhecia agora que o irmão adotivo de sua mulher guardava intenção diferente.
14 Angustiado, em lágrimas de cólera e amargura, Simão adiantou-se para o Cristo, à maneira do menino necessitado de proteção, e bradou:
— Mestre, Mestre!… Que fazer?!…
15 Jesus, porém, acolheu-o amorosamente nos braços e murmurou:
— Pedro, não julguemos para não sermos julgados. Aprendamos, contudo, a discernir.
Irmão X
(Humberto de Campos)