1 O Pecador escutava a orientação de um Santo, que vivia, genuflexo, à porta de templo antigo, quando, junto aos dois, um Anjo surgiu na forma de homem, travando-se breve conversação entre eles.
2 O ANJO. — Amigos, Deus seja louvado!
O SANTO. — Louvado seja Deus!
O PECADOR. — Louvado seja!
3 O ANJO. (Dirigindo-se ao Santo) — Vejo que permaneceis em oração e animo-me a solicitar-vos apoio fraternal.
O SANTO. — Espero o Altíssimo em adoração, dia e noite.
4 O ANJO. — Em nome d’Ele, rogo o socorro de alguém para uma criança que agoniza num lupanar.
O SANTO. — Não posso abeirar-me de lugares impuros…
O PECADOR. — Sou um pobre penitente e posso ajudar-vos, senhor.
5 O ANJO. — Igualmente, agora, desencarnou infortunado homicida, entre as paredes do cárcere… Quem me emprestará mãos amigas para dar-lhe sepulcro?
O SANTO. — Tenho horror aos criminosos…
O PECADOR. — Senhor, disponde de mim.
6 O ANJO. — Infeliz mulher embriagou-se num bar próximo. Precisamos removê-la, antes que a morte prematura lhe arrebate o tesouro da existência.
O SANTO. — Altos princípios não me permitem respirar no clima das prostitutas…
O PECADOR. — Dai vossas ordens, senhor!
7 O ANJO. — Não longe daqui, triste menina, abandonada pelo companheiro a quem se confiou, pretende afogar-se… É imperioso lhe estenda alguém braços fortes para que se recupere, salvando-se-lhe também o pequenino em vias de nascer.
O SANTO. — Não me compete buscar os delinquentes senão para corrigi-los.
O PECADOR. — Determinai, senhor, como devo fazer.
8 O ANJO. — Um irmão nosso, viciado no furto, planeja assaltar, na presente semana, o lar de viúva indefesa… Necessitamos do concurso de quem o dissuada de semelhante propósito, aconselhando-o com amor.
O SANTO. — Como descer ao nível de um ladrão?
O PECADOR. — Ensinai-me como devo falar com ele.
9 Sem vacilar, o Anjo tomou o braço do Pecador prestativo e ambos se afastaram, deixando o Santo em meditação, chumbado ao solo.
10 Enovelaram-se anos e anos na roca do tempo, que tudo alterara. O átrio mostrava-se diferente. O santuário perdera o aspecto primitivo e a morte despojara o Santo de seu corpo macerado por cilício e jejum, mas o crente imaculado aí se mantinha em Espírito, na postura de reverência.
11 Certo dia, sensibilizando mais intensamente as antenas da prece, viu que alguém descia da Altura, a estender-lhe o coração em brando sorriso.
O Santo reconheceu-o.
12 Era o Pecador, nimbado de luz.
— Que fizeste para adquirir tanta glória? perguntou-lhe, assombrado.
O ressurgido, afagando-lhe a cabeça, afirmou simplesmente:
— Caminhei.
Irmão X
(Humberto de Campos)