1 Onze anos após a crucificação do Mestre, Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi violentamente arrebatado por esbirros do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a processo infamante.
2 Arrancado ao pouso simples, depois de ordem sumária, ei-lo posto em algemas, sob o sol causticante.
Avançando ao pé do grande templo, na mesma praça enorme em que Estêvão achara o extremo sacrifício, imensa multidão entrava-lhe a jornada.
3 Tiago, brando e mudo, padece, escarnecido.
Declaram-no embusteiro, malfeitor e ladrão.
4 Há quem lhe cuspa no rosto e lhe estraçalhe a veste.
— “À morte! À morte!…”
5 Centenas de vozes gritam inesperada condenação, e Pedro, que de longe o segue, estarrecido, fita o irmão desditoso, a entregar-se humilhado.
6 O antigo pescador e aprendiz de Jesus é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação de que Herodes lhe decretara a pena, legionários do povo passam-no pela espada, enquanto a turba estranha lhe apedreja os despojos.
7 Simão chora, sozinho, ao contemplar-lhe os restos, voltando, logo após, para o seu humilde refúgio.
Depois de algumas horas, veio a noite envolvente acalentar-lhe o pranto.
8 De rústica janela, o condutor da casa inquire o céu imenso, orando com fervor.
Por que a tempestade? Por que a infâmia soez? O pobre amigo morto era justo e leal…
9 Incapaz de banir a ideia de vingança, Pedro lembra os algozes em revolta suprema.
Como desejaria ouvir o Mestre agora!… Que diria Jesus do terrível sucesso?!…
10 Neste instante, levanta os olhos lacrimosos, e observa que o Cristo lhe surge, doce, à frente.
É o mesmo companheiro de semblante divino.
11 Ajoelha-se Pedro e grita-lhe:
— Senhor! Somos todos contados entre os vermes do mundo!… Por que tanta miséria a desfazer-se em lama? Nosso nome é pisado e o nosso sangue verte em homicídio impune… A calúnia feroz espia-nos o passo…
12 E talvez porque o mísero soluçasse de angústia, o Mestre aproximou-se e disse com carinho, a afagar-lhe os cabelos:
— Esqueceste, Simão? Quem quiser vir a mim carregue a própria cruz…
13 — Senhor! — retrucou, em lágrimas, o apóstolo abatido, — não renego o madeiro, mas clamo contra os maus… Que fazer de Joreb, o falsário infeliz, que mentiu sobre nós, de modo a enriquecer-se? Que castigo terá esse inimigo atroz da verdade divina?
14 E Jesus respondeu, sereno, como outrora:
— Jamais amaldiçoes… Joreb vai viver…
15 — E Amenab, Senhor? Que punição a dele, se armou escuro laço, tramando-nos a perda?
— Esqueçamo-lo em prece, porque o pobre Amenab vai viver igualmente…
16 E Joachim ben Mad? Não foi ele, talvez, o inspirador do crime? O carrasco sem fé que a todos atraiçoa? Com que horrenda aflição pagará seus delitos?
— Foge de condenar, Joachim vai viver…
17 — E Amós, o falso Amós, que ganhou por vender-nos?
— Olvidemos Amós, porque Amós vai viver…
18 — E Herodes, o rei vil, que nos condena à morte, fingindo ignorar que servimos a Deus?
Mas Jesus, sem turvar os olhos generosos, explicou simplesmente:
— Repito-te, outra vez, que quem fere, ante a lei será também ferido… ( † ) A quem pratica o mal, chega o horror do remorso… E o remorso voraz possui bastante fel para amargar a vida… 19 Nunca te vingues, Pedro, porque os maus viverão e basta-lhes viver para se alçarem à dor da sentença cruel que lavram contra eles mesmos..
20 Simão baixou a face banhada de pranto, mas ergueu-a em seguida, para nova indagação…
O Senhor, entretanto, já não mais ali estava. Na laje do chão só havia o silêncio que o luar renascente adornava de luz…
Irmão X
(Humberto de Campos)