O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Crônicas de Além-Túmulo — Humberto de Campos


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Falando a Piratininga

1 Tive ensejo de afirmar aí no mundo que, se algum dia conseguisse liquidar todo o meu débito para com a terra maranhense e o Senhor decidisse mergulhar meu Espírito no Letes da carne, eu desejaria ser paulista ou baiano.

2 São Paulo e Bahia foram os dois braços fortes que me ampararam na provação. Minha dívida para com ambos é sagrada e irresgatável. Era do seio afetuoso da Bahia, terra mãe do Brasil, que me chegavam os brados de incitamento para a luta; e dos celeiros fartos e generosos de São Paulo vinha a maior parte do meu pão.

3 Em seu território vivem os meus melhores amigos e do santuário do seu afeto subiram para Deus, em favor do escritor humilde e enfermo, as preces mais comovedoras e mais sinceras, as quais não lhe iluminaram apenas as estradas pedregosas da vida, mas constituíram igualmente uma lâmpada suave no seu caminho da morte.

Ignoro quando o Senhor resolverá o retorno do meu Espírito aos tormentos da Terra, mas quero, antes de meditar nos calabouços da carne, falar do reconhecimento do meu coração.

4 Todas as coisas do Brasil falam particularmente à nossa alma: Piratininga é, porém, o poema de ouro e de aço das energias do seu povo. Sua história, dentro da história da Pátria, é uma afirmação gloriosa de heroísmo sagrado. O mesmo espírito de liberdade e de autonomia, que nos primórdios de sua organização lhe motivou o desejo de aureolar a fronte de Amador Bueno com uma coroa de rei, emancipando-se da sua condição subalterna, trabalha hoje, como trabalhou no passado, para eternizar com o braço realizador a epopeia da sua grandeza.

5 Entre as energias moças da terra há um delírio contagioso de ação e de trabalho. O esforço carinhoso do homem une-se à exuberância da seiva e São Paulo desfralda, nas linhas vanguardeiras, o lábaro do seu progresso e das suas conquistas. Do conforto de suas cidades modernas eleva-se para o Céu a oração do labor que Deus escuta, premiando-lhe a operosidade com as alegrias da fartura.

6 E dizem que Anchieta, ainda hoje, em companhia daqueles que lançaram a primeira pedra na base do glorioso edifício piratiningano, passeia, entre as bênçãos dos seus cafezais e das suas estradas, enviando sagrada exortação aos que pelejam. Ele, que soube aliar, no mundo, a energia do homem às virtudes do apóstolo, vê, do espaço infinito, a sublimidade da sua obra, e quando se aproxima das praias antigamente desertas e dos lugares onde as florestas desapareceram, sob os milagres do progresso, as juritis morenas da terra fremem as asas de arminho, tecendo um pálio inesperado para cobrir a fronte do homem prodigioso que lhes levou a palavra do Evangelho.

Abençoam-no das alturas os indígenas redimidos pela sua fraterna solicitude, e, sob a proteção afetuosa das aves, Anchieta sorri, contemplando a sua Piratininga que trabalha e floresce.

7 Sempre me referi às coisas de São Paulo com o carinhoso enternecimento da minha admiração.

E agora, longe das perturbações a que nos submete a carne, infligindo-nos a mais amargosa das escravidões, posso apreciar melhormente as suas afirmações de grandeza. Tenho a visão nítida dos seus valorosos feitos, da enérgica projeção dos ideais da sua gente intrépida, cuja atividade se desdobra no ambiente da confraternização de todas as raças, fundindo-se no seu seio os mais enobrecedores sentimentos da fraternidade humana.

8 São Paulo de hoje é a bússola dos que hão-de estudar amanhã a etnologia brasileira.

Ao lado dos seus numerosos institutos de civilização e cultura, Piratininga terá a sua “Sociedade de Estudos Psíquicos” como realidade nova do ideal espiritualista, que, arregimentando as fileiras dos estudiosos, se prepara a fim de constituir a luz da humanidade futura.

9 Abre-se, desse modo, no cenário da sua evolução, mais um centro de beneméritos, cuja ação não estará circunscrita à pesquisa científica mas também ao levantamento do nível moral da sociedade, intensificando os elos da fraternidade cristã; porque os verdadeiros estudiosos sabem que, se a ciência contemporânea não está falida, não pode, nas suas condições do momento, oferecer ao homem a chave das felicidades imortais.

10 A Humanidade está faminta desse amor que só Deus pode outorgar.

Um frio terrível de desespero e desgraça sopra entre os homens, que se esqueceram da meditação e da prece. E a Ciência é a figura do Édipo eletrizado sob os fatalismos inelutáveis do destino. O erro dos que investigam é buscar a sabedoria sem preparar o coração, invertendo as determinações imperiosas da vida.

11 Piratininga está, pois, preparando o coração de seus filhos, e das suas arcas ricas e generosas se derramará muito pão espiritual para os celeiros empobrecidos.

Dos empórios da sua grandeza saíram no passado as bandeiras civilizadoras, rasgando o coração das selvas compactas e, na atualidade, novas bandeiras sairão, rompendo o cipoal da descrença em que os homens emaranharam, para dizer a palavra da verdade e do amor. As suas armas de agora serão os ensinos do Evangelho, e o seu objetivo, a descoberta do filão do ouro espiritual.

12 Um júbilo inexprimível entorna-se do meu coração, dirigindo aos paulistas a minha palavra inexpressiva da tribuna da morte; e tomado de orgulhosa alegria, posso hoje exclamar:

— “Eu te agradeço, ó Senhor! tão preciosos favores, porque, graças à tua bondade, pude hoje falar com S. Paulo, no momento em que se entregava com valoroso desassombro à obra da imortalidade, que é a obra do Evangelho…”


Humberto de Campos

(Irmão X)


18 de agosto de 1935.


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