O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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A Guerra do Paraguai

1 O Segundo Reinado, depois das angustiosas expectativas do período revolucionário, atravessava uma época de paz, em que se consolidavam as suas conquistas no terreno da ordem e da liberdade.

D. Pedro II  †  à medida que ia ampliando o patrimônio das suas experiências, em contato com a vida e com os homens, amadurecia, cada vez mais, as belas qualidades do seu coração e da sua inteligência. Suas virtudes morais granjearam para a sua personalidade mais que a simpatia popular, pois o generoso imperador, de cuja dotação viviam tantos pobres e se educavam inúmeros estudiosos sem recursos, vivia aureolado pela veneração carinhosa das multidões. Dado à arte e à filosofia, a sua notoriedade, nesse sentido, alcançou os próprios ambientes da cultura europeia, onde seu nome impunha-se à admiração de todos os pensadores do século. 2 No problema constitucional, todavia, o imperador muitas vezes se abstraia dos textos legais para consultar os interesses gerais da nação, norteando-se muito mais pela imprensa que pela opinião pessoal dos seus ministros, o que desgostava profundamente os políticos da época, os quais encaravam essas atitudes como impertinências do monarca republicano da América, afigurando-se-lhes que ele se deixava atrair pelas resoluções ilegais. A verdade, contudo, é que nunca atravessou o Brasil um período de tamanha liberdade de opinião. 3 Somente as nacionalidades de origem saxônia gozavam, a esse tempo, no planeta, da mesma independência e das mesmas liberdades públicas. Numerosas conquistas, nesse particular, se consolidaram sob a administração do imperador, generoso e liberalíssimo. Em 1850, verificava-se a plena supressão do tráfico negro, realizando-se a abolição por etapas altamente significativas. Em 1843, D. Pedro II desposara D. Teresa Cristina Maria,  †  princesa das Duas Sicílias, que viria partilhar com ele, no sagrado instituto da família, a mesma abnegação e amor pelo bem do Brasil.

4 No Mundo Invisível, as falanges de Ismael  †  não se descuravam da pátria do Evangelho, enviando para a administração do Segundo Reinado os elevados Espíritos que seriam colaboradores do grande imperador na solução dos relevantes problemas da abolição, da economia e da liberdade. Foi assim que, naquela época de organização da pátria, observaram-se homens e artistas extraordinários, como Rio Branco  †  e Mauá,  †  Castro Alves  †  e Pedro Américo,  †  que vinham com elevada missão ideológica, nos quadros da evolução política e social da pátria do Cruzeiro.

5 O homem, porém, terá de edificar o patrimônio do seu progresso e iluminar o caminho da sua redenção à custa dos próprios esforços e sacrifícios, na senda pedregosa da experiência individual e, no seio dessas lutas, o poder moderador da Coroa não conseguiu eliminar um certo fundo de vaidade, que se foi estratificando na alma nacional, fazendo-lhe sentir a sua supremacia sobre as demais nações americanas do Sul. Dentro dessas ideias perigosas da vaidade coletiva, sentia-se o Brasil, erradamente, com o direito de interferir nos negócios dos Estados vizinhos, em benefício dos nossos interesses. É verdade que os países de colonização espanhola sempre tratavam o Brasil com mal disfarçada hostilidade, desejando reviver no Novo Mundo, os antagonismos raciais da velha península, mas não competia à política brasileira exorbitar das suas funções, no intuito de assumir a direção da casa dos seus vizinhos.

6 De 1849 a 1853, o Brasil interferia nas questões da Argentina e do Uruguai, contra a influência de Rosas  †  e Oribe.  †  O caudilho Ortiz Rosas trazia a civilização platina sob um regime de crueldade e tirania; diversas vezes, provocara o Brasil com o seu ânimo despótico, que chegou a fazer, no Prata, mais de vinte mil vítimas e, irrefletidamente, o Império prestigiou a Urquiza,  †  outro caudilho que governava Entre Rios, a fim de eliminar o tirano. Pela influência dos seus militares mais dignos, as tropas brasileiras depuseram Oribe, e no combate de Monte Caseros  †  destroem para sempre a influência do déspota, que humilhava Buenos Aires. E enquanto as bandeiras do Brasil regressam triunfantes com o Conde de Porto Alegre  †  e o povo festeja a vitória das suas armas, os países da América do Sul olham desconfiadamente para a supremacia arrogante da política brasileira, no propósito de se colocarem a salvo das suas indébitas intervenções.

7 Após uma das festas que comemoravam os acontecimentos, D. Pedro II retira-se silenciosamente para o recanto do seu oratório particular. Com o espírito em prece, contempla o Crucificado, cuja imagem parece fitá-lo com piedade e brandura. Nas asas brandas do sono, o grande imperador é então conduzido a uma Esfera de beleza esplêndida e inenarrável. Parece-lhe conhecer as disposições particulares daquele sítio de doces encantamentos. 8 Aos seus olhos atônitos surge, então, o Divino Mestre que lhe fala como nos maravilhosos dias da ressurreição, após os martírios imensos do Calvário, assinalando as suas palavras com sublime doçura:

— “Pedro, guarda a tua espada na bainha, pois quem com ferro fere, com ferro será ferido. A tua indecisão e a tua incerteza lançaram a pátria do Evangelho numa sinistra aventura. As nações, como os indivíduos, têm a sua missão determinada e não é justo que sejam coagidas no terreno das suas liberdades. O lamentável precedente da invasão, efetuado pelo Brasil no Uruguai, terá dolorosa repercussão para a sua vida política. Não descanses sobre os louros da vitória, porque o céu está cheio de nuvens e deves fortificar o coração para as tempestades amargas que hão de vir. Auxiliarei a tua ação, através dos mensageiros de Ismael que se conservam vigilantes no desenvolvimento dos trabalhos sob a tua responsabilidade no país do Cruzeiro; mas, que as tristes provações gerais em perspectiva sejam guardadas como lição inesquecível e como um roteiro de experiência proveitosa para as tuas atividades no trono.”

9 D. Pedro II, depois daquele sono curto, na intimidade do oratório, o qual fora preparado pelas Forças Invisíveis que o rodeavam, recolheu-se ao leito, cheio de angústia e de ansiosa expectativa.

E os anos não tardaram a confirmar as advertências do Senhor, que é a luz misericordiosa do mundo. Em 1865, quando o Brasil procurava interferir novamente nos negócios do Uruguai, impondo a sua vontade em Montevidéu, o Paraguai sentiu-se ameaçado na sua segurança e declarou-se contra o Brasil, ferindo-se então a guerra  †  que durou cinco longos anos de martírios e derrames de sangue fraterno.

10 O Paraguai, como os outros países vizinhos, vivia reduzido à condição de feudo militar.

A lei marcial imperava ali sistematicamente e Solano López  †  não receou arrastar o seu povo naquela terrível aventura. Sua personalidade como político, não era inferior à dos caudilhos do tempo, e grandes valores poderiam ser incorporados às suas tradições de chefe, muitas vezes apresentado como um tirano cheio de crueldades nefandas, se os frequentes desastres das armas paraguaias e os triunfos do Brasil não acabassem por desorientá-lo inteiramente, quando então queimou ele o último cartucho da sua amargurada desesperação, perdendo a posição nobre que a história lhe reservaria, indubitavelmente.

11 Aliando-se aos seus amigos da Argentina e do Uruguai, o Brasil afirmou a sua vitória e a sua soberania. O próprio imperador visitou o campo de operações bélicas em Uruguaiana, onde assistiu à rendição de seis mil inimigos. Os militares brasileiros ilustram o nome da sua terra em gloriosos feitos, que ficaram inesquecíveis. Mas o país do Evangelho sempre foi infenso às glórias sanguinolentas. Estero Belaco,  †  Curupaiti,  †  Lomas Valentinas,  †  Tuiuti,  †  Curuzu,  †  Itororó,  †  Riachuelo  †  e tantos outros teatros de luta e de triunfo, em verdade não passaram de etapas dolorosas, de uma provação coletiva que o povo brasileiro jamais poderá esquecer.

12 E a realidade é que o Brasil retirou desse patrimônio de experiências  os mais altos benefícios para a sua política externa e para a sua vida organizada, sem exigir um vintém dos proventos de suas vitórias. A diplomacia brasileira encarou, de mais perto, o arbítrio inviolável dos países vizinhos, e uma nova tradição de respeito consolidou-se na administração da terra do Cruzeiro. Nunca mais o Brasil se utilizou de uma intervenção indevida, trazendo em testemunho da nossa afirmativa a primorosa organização da nacionalidade argentina que, apesar da inferioridade da sua posição territorial, comparada com a extensão do Brasil, é hoje um dos países mais prósperos e um dos núcleos mais importantes da civilização americana, em face do mundo.


Humberto de Campos

(Irmão X)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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