O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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A Inconfidência Mineira

1 Depois da morte de D. José,  †  ascendia ao trono sua filha D. Maria I,  †  princesa piedosa, a cuja autoridade ficariam afetas as grandes responsabilidades do trono naquela época em que um sopro de vida nova modificava todas as disposições políticas e sociais do Velho Mundo.

2 No seu reinado, Portugal sente esvaírem-se-lhe as forças poderosas, encaminhando-se com rapidez, para a decadência e para a ruína. Não fossem as notáveis influências de um Martinho de Melo  †  ou de um duque de Lafões,  †  talvez fosse ainda mais desastroso o reinado de D. Maria, escravizada ao fanatismo do tempo e às opiniões dos seus confessores.

3 Por essa época, o Brasil sofria o máximo de vexames no que se referia ao problema da sua liberdade.

A capitania de Minas Gerais, que se criara e desenvolvera sob a carinhosa atenção dos paulistas, era então o maior centro de riquezas da colônia, com as suas minas inesgotáveis de ouro e diamantes. A sede de tesouros edificara Vila Rica nos cumes enevoados e frios das montanhas, localizando ali uma plêiade de poetas e escritores que sentiriam, de mais perto, as humilhações infligidas pela metrópole portuguesa à pátria que nascia. 4 A verdade é que, em Minas, sentia-se mais que em toda parte o despotismo e a tirania. O clero, a magistratura e o fisco, junto dos ambiciosos que aí se reuniam, apossavam-se de todas as possibilidades econômicas, com a sua criminosa sede de fortuna. 5 Os padres desejavam todo o ouro das minas para a edificação das suas igrejas suntuosas; os elementos da magistratura consideravam a necessidade de se enriquecerem antes de regressar a Portugal com as melhores aquisições, e os agentes do fisco executavam as determinações da corte de Lisboa, que contituía uma árvore farta e maravilhosa, onde todos os parasitas da nobreza iam sugar a seiva de pensões extraordinárias e fabulosas.

6 A esse tempo, são numerosos os estudantes brasileiros na Europa, os quais voltam ao país saturados dos princípios filosóficos de Rousseau e dos enciclopedistas. A independência da América do Norte e a constituição democrática de Filadélfia animam aqueles espíritos, isolados nas montanhas distantes. Por toda a parte da capitania mais rica da colônia, verificam-se quadros dolorosos da miséria do povo, esmagado pelos impostos de toda natureza. 7 As coletividades de trabalhadores, conduzidas à ruína pelo fracasso das minerações, não conseguiriam suportar por mais tempo semelhantes vexames. Em Minas, porém, uma elite de brasileiros considera a gravidade da situação. Intelectuais distintos sentem-se possuídos da maioridade da pátria, que, ao seu ver, poderia já reter consigo as rédeas dos seus próprios destinos. 8 Iniciam-se os primórdios da conspiração. Depois de algumas conversações em Vila Rica e das quais, entre muitos outros, participaram Inácio de Alvarenga,  †  Joaquim José da Silva Xavier,  †  Cláudio Manuel da Costa  †  e Tomás Gonzaga,  † em que foram adotadas as primeiras providências, a infiltração das ideias libertárias começou a fazer-se através de todos os elementos da capitania, no que ela possuía de mais representativo. 9 José Joaquim da Maia  †  é enviado à Europa para sondar o pensamento de Jéferson,  †  embaixador da América do Norte em Paris, e para angariar a simpatia dos brasileiros espalhados no Velho Mundo, pelo movimento libertador. Outros estudantes, apaixonados pela emancipação da colônia, são mandados pelos conspiradores a S. Paulo e a Pernambuco, que formavam os dois centros mais importantes do país, com o objetivo de conquistar a sua adesão ao movimento. 10 Todavia, nem Joaquim da Maia conseguiu o auxílio de Jéferson, que apenas chegou a se interessar moralmente pelo projeto, nem os seus companheiros conseguiram o compromisso formal das capitanias mencionadas, para se articular o movimento revolucionário. Pernambuco achava-se refazendo as suas economias, depois das lutas penosas de Recife e Olinda, e São Paulo encontrava-se desiludido depois da guerra dos emboabas, na qual, muitas vezes fora vítima da felonia e da traição. A conjuração de Minas, contudo, prossegue na propaganda sem esmorecimentos.

11 Embriagados pela concepção da liberdade política e, dentro dos seus triunfos literários, fora das realidades práticas da vida comum, os intelectuais mineiros não descansaram. Idealizaram a república, organizaram os seus símbolos, multiplicaram prosélitos das suas ideias de liberdade, mas, no momento psicológico da ação, os delatores a cuja frente se encontrava a personalidade de Silvério dos Reis,  †  português de Leiria, levaram todo o plano ao Visconde de Barbacena,  †  então governador de Minas Gerais. 12 O governador age com prudência a fim de sufocar a rebelião nas suas origens, e expedindo informes para que o Vice Rei Luís de Vasconcelos  †  efetuasse a prisão do Tiradentes  †  no Rio de Janeiro, prende todos os elementos da conspiração em Vila Rica, depois de avisar aos seus amigos do peito, secretamente, simpatizantes da conjuração, quanto à expectativa de semelhantes providências, para que não fossem igualmente implicados.

13 Aberta a devassa e depois de terminado o vagaroso processo, são todos os chefes presos, condenados à morte.

Os historiadores falam do amargo pavor daqueles onze homens que se ajuntavam, andrajosos e desesperados, na sala do Oratório, para ouvirem a sentença da sua condenação, após três longos anos de separação, em que haviam ficado incomunicáveis nos diversos presídios do tempo. A leitura da peça condenatória pelo desembargador Francisco Alves da Rocha, levou quase duas horas. 14 Depois de conhecerem os seus termos, os infelizes conjurados passaram às mais amargas e recíprocas recriminações. Os mais tristes quadros de fraqueza moral surgiram naqueles corações desiludidos e desamparados; mas, daí a algumas horas, a dura sentença era modificada. D. Maria I comutara as penas de morte para o perpétuo degredo nas desoladas regiões africanas, com exceção do Tiradentes, que deveria morrer na forca, conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, para escarmento de quantos urdissem novas traições à coroa portuguesa.

15 O mártir da inconfidência, depois de ter examinado, amarguradamente, a defecção dos companheiros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria sincera pela expiação cruel a ele somente reservada, já que seus irmãos de ideal poderiam continuar na posse do sagrado tesouro da vida. As falanges de Ismael cercam-lhe a alma leal e forte, inundando-a de santificadas consolações.

16 Tiradentes entrega o Espírito a Deus, nos suplícios da forca, no dia 21 de Abril de 1792. Um arrepio de angustiosa ansiedade percorre a multidão, no instante em que o seu corpo balança, pendente das traves do campo da Lampadosa.  † 

17 Mas, nesse momento, Ismael recebia nos seus braços carinhosos e fraternais a alma edificada do mártir.

— “Irmão querido, — exclama ele, — resgatas hoje os delitos cruéis levados a efeito por ti, quando te ocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tempos passados… Resgataste o pretérito obscuro e doloroso, com as lágrimas do teu sacrifício em favor da pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores… Novo gênio que surges, espargirás novas bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro… 18 Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhos de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas obras e se o Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, ao influxo do amor divino, será o próprio Portugal quem virá trazer até ele, todos os elementos da sua emancipação política, sem o êxito incerto das revoluções feitas à custa do sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na face sombria da Terra…”

19 Um sulco luminoso desenhou-se nos Espaços, à passagem das gloriosas entidades que vieram acompanhar o Espírito iluminado do mártir que não chegou a contemplar o hediondo espetáculo do esquartejamento.

20 Daí a alguns dias, a piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua consciência pelos remorsos pungentes que a dilaceravam e, consoante as profecias de Ismael, daí a alguns anos era o próprio Portugal que vinha trazer, com D. João VI,  †  a independência do Brasil, sem o êxito incerto das revoluções fratricidas, cujos resultados invariáveis são sempre a multiplicação dos sofrimentos das criaturas, dilaceradas pelas provações e pelas dores, entre as pesadas sombras da vida terrestre.


Humberto de Campos

(Irmão X)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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