O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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Os Missionários

1 D. Manuel I  †  recebeu notícias do descobrimento das terras novas, sem grande surpresa. Seu espírito achava-se voltado para os tesouros inesgotáveis das Índias, que faziam da Lisboa daquele tempo uma das mais poderosas cidades marítimas da Europa.

2 Contudo, o sucesso do almirante provocou um largo movimento de curiosidade no círculo dos navegadores portugueses. Quase todas as expedições que se dirigiam aos régulos da Ásia tocavam nos portos vastos de Vera Cruz, cujo norte já centralizava as atenções dos comerciantes franceses, que aí se abasteciam de vastas provisões de pau-brasil.

3 Geralmente, as caravelas lusitanas que demandavam Calicut  †  traziam consigo grande número de exilados e de aventureiros. Muitos deles foram abandonados no extenso litoral do país inexplorado e desconhecido, ao influxo das inspirações do mundo invisível; essas criaturas vinham como batedores humildes, à frente dos trabalhadores que, mais tarde, chegariam às terras novas.

4 A situação oficial perdurava com a indiferença do monarca, distraído pelas suas conquistas no Ocidente; mas, entre as autoridades administrativas do Reino, comentava-se a questão da nova colônia, abandonada aos exploradores franceses e espanhóis. 5 Compelido pela opinião de seu tempo, D. Manuel  †  providencia a primeira expedição oficial, a fim de que se colocasse nas suas praias extensas o sinal das armas portuguesas. 6 Prepara-se a grande expedição de Gonçalo Coelho,  †  que, além de alguns cosmógrafos notáveis, levava consigo Américo Vespúcio, famoso na história americana pelas suas cartas acerca do Novo Mundo, nas quais, infelizmente, reside grande percentagem de literatura e de pretensiosa imaginação. 7 Chegando ao litoral baiano, Gonçalo Coelho organiza a Feitoria de Santa Cruz,  †  primeiro núcleo da civilização ocidental nas plagas brasileiras. 8 O nome do país é agora Terra de Santa Cruz, pelo qual é conhecido nos documentos da metrópole.

9 Depois de graves incidentes, nos quais Vespúcio  † abandona-se a aventuras pelo interior da colônia, na sua sede de posição e de glória, o expedicionário português, pobre de possibilidades e com raros companheiros, lança os marcos de Portugal ao longo de toda a costa brasileira. 10 Uma das emoções mais gratas para o seu espírito é o quadro maravilhoso da Baía de Guanabara. Julgando-se no estuário de um rio esplêndido, denomina Rio de Janeiro o local, em virtude de se encontrar ali nos primeiros dias do primeiro mês do ano. 11 No sítio encantado, instala uma nova Feitoria, — a da Carioca, da qual não ficaram largos vestígios, permanecendo aí meses a fio, retemperando as suas energias em contato com a paisagem magnífica. 12 Prossegue na sua tarefa de reconhecimento, voltando depois à metrópole, sem conseguir interessar o monarca no que se referia à exploração da terra nova. 13 Limitou-se o rei português a permitir o estabelecimento de feiras de pau-brasil, na colônia longínqua, o que facultou aos elementos estrangeiros o mais largo desenvolvimento de comércio com os indígenas da região litorânea.

14 De Portugal, somente aportavam no Brasil, de vez em quando, alguns aventureiros e degredados, obedecendo a um apelo inexplicável e desconhecido.

15 Foi, aproximadamente, por essa época, que Ismael reuniu uma grande assembleia dos seus colaboradores mais devotados, no objetivo de instituir um programa para as suas atividades espirituais na Terra de Santa Cruz:

— “Irmãos, — exclamou ele no seio da multidão de companheiros abnegados, — plantamos aqui, sob o olhar misericordioso de Jesus, a sua bandeira de paz e de perdão… Todo um campo de trabalhos se desdobra às nossas vistas. Precisamos de colaboradores devotados que não temam a luta e o sacrifício. 16 Voltemo-nos para os centros culturais de Coimbra e de Lisboa, regenerando as fontes do pensamento, no elevado sentido de ampliarmos a nossa ação espiritual… Alguns de vós permanecereis em Portugal, mantendo de pé os elementos protetores dos nossos trabalhos, e a maioria terá de envergar o sambenito humilde dos missionários penitentes, levando o amor de Deus aos sertões ínvios e desprotegidos de todo o conforto. 17 Temos de buscar no seio da igreja as roupagens exteriores de nossa ação regeneradora. Infelizmente, a dolorosa situação do mundo europeu, em virtude do fanatismo religioso, tão cedo não será modificada… 18 Somente as grandes dores realizarão a fraternidade no seio da instituição que deveria representar o pensamento do Senhor na face da Terra, desviada dos seus grandes princípios pela mais terrível de todas as fatalidades históricas, dentro das quais foi a igreja obrigada a participar do organismo mundano e perecível dos Estados… 19 Um sopro de reformas se anuncia, impetuoso, no âmago das organizações religiosas da Europa e, em breves dias, Roma conhecerá momentos muito amargos, não obstante os sonhos de arte e de grandeza de Leão X,  †  que detém, neste instante, uma coroa injustificável, porquanto o reino de Jesus ainda não é desse mundo; mas, temos de aproveitar as possibilidades que o seu campo nos oferece para encetar essa obra de edificação da pátria do Cordeiro de Deus…

20 “Pregareis, em Portugal, a verdade e o desprendimento das riquezas terrestres e trabalhareis, sob a minha direção, nas florestas imensas de Santa Cruz, arrebanhando as almas para o Único Pastor… O característico de vossa ação, como missionários do Pai Celestial, será o vosso testemunho legítimo de renúncia a todos os bens materiais e a vossa consoladora pobreza…”

21 Quase todos os Espíritos santificados, ali presentes, se oferecem como voluntários da grande causa. Entre muitos, descobriremos aí José de Anchieta  †  e Bartolomeu dos Mártires,  †  Manuel da Nóbrega,  †  Diogo Rodrigues,  †  Leonardo Nunes  †  e muitos outros, foram também dos chamados para esse conclave do mundo invisível.

22 Em 1531, quando Portugal resolveu, sob a direção de D. João III,  †  a primeira tentativa de colonização da Terra de Santa Cruz, alguns jovens missionários, convocados por essa augusta assembleia, chegavam ao Brasil com Martim Afonso de Sousa  †  e a sua companhia de trezentos homens, participando ativamente da catequese dos índios, na fundação de S. Vicente e de Piratininga.

23 Nóbrega aportava, mais tarde, em Porto Seguro, com Tomé de Sousa,  †  o primeiro governador geral da colônia, em 1534, chefiando um grande número desses irmãos dos simples e dos infelizes, estabelecendo novos elementos de progresso e dando início à cidade do Salvador.

24 Anchieta  †  vinha depois, em 1553, com Duarte da Costa,  †  transformando-se no desvelado apóstolo do Brasil. Designado para desenvolver, particularmente, os núcleos de civilização já existentes em Piratininga, ali permaneceu no seu respeitável colégio, que todos os governos paulistas conservaram com veneração carinhosa, como uma tradição de sua cultura e de sua bondade. 25 Alguns historiadores falam com severidade acerca da energia vigorosa do apóstolo que, muitas vezes, foi obrigado a assumir atitudes extremas no seio das tribos, que lhe mereciam as dedicações e os carinhos de um pai. 26 Anchieta aliou, no mundo, à suprema ternura, essa energia realizadora; mas, aqueles que, na história oficial, lhe descobrem esses gestos, não lhe notam a suavidade do coração e a profundeza dos sacrifícios, nem sabem que, depois, foi ainda ele a maior expressão de humildade no antigo convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, onde, com o hábito singelo de um frade, adocicou ainda mais as suas concepções de autoridade. 27 A edificadora humildade de um Fabiano de Cristo,  †  aliada a um sentimento de renúncia total de si mesmo, constituía a última pedra que faltava na sua coroa de apóstolo da imortalidade.

28 D. João III  †  teve a infelicidade de introduzir em Portugal o organismo sinistro da Inquisição. Com o tribunal da penitência, vieram os Jesuítas.

29 Não constitui objeto do nosso trabalho o exame dos erros profundos da condenável instituição que fez da Igreja, por muitos séculos, um centro de perversidade e de sombras compactas em todas as nações europeias, que a abrigaram à sombra da máquina do Estado, 30 mas, sim, a exaltação daqueles missionários de Deus, que afrontavam a noite das selvas, para aclarar as consciências com a lição suave do Mártir do Calvário. Esses homens abnegados eram, de fato, “o sol da nova terra”. n

31 Os falsos sacerdotes poderiam continuar massacrando, em nome do Senhor, que é a misericórdia suprema; poderiam prosseguir ostentando as púrpuras luxuosas e todas as demais suntuosidades do reino mentiroso desse mundo, incensando os poderosos da Terra e distanciados dos pobres e dos aflitos; 32 mas, os doces missionários da cruz ouviam a voz de Ismael,  †  no âmago de suas almas; aos seus sagrados apelos, abandonaram todos os bens, seguindo nos rastros luminosos d’Aquele que foi e será sempre a luz do mundo. 33 Foram eles os primeiros traços de luz das falanges imortais do Infinito, corporificadas na terra do Evangelho, e, com a sua divina pobreza, foram os iniciadores da grande missão apostólica do Brasil no seio do mundo moderno, inaugurando aqui um caminho resplandecente para todas as almas, transformando a terra do Cruzeiro numa dourada e eterna Porciúncula.  † 


Humberto de Campos

(Irmão X)



[1] No livro impresso, “o sol da nova terra” ou seria: “o sal da nova terra”. ( † )


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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