O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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Os Escravos

1 Nesse dia preparava-se, numa das Esferas superiores do Infinito, o encontro de Ismael  †  com Aquele que será sempre a luz do mundo.

Por toda parte, abriam-se flores evanescentes, oriundas de um solo de radiosas neblinas. Luzes policrômicas enfeitavam todas as paisagens celestes, que se perdiam na incomensurável extensão dos Espaços felizes.

Rodeado dos seres santificados e venturosos que constituem a coorte luminosa de seus mensageiros abnegados, recebeu o Senhor, com a sua complacência, o emissário dileto do seu amor, nas terras do Cruzeiro.

2 Ismael, porém, não trazia no coração o sinal da alegria. Seus traços fisionômicos deixavam mesmo transparecer angelical amargura.

— “Senhor, — exclama ele, — sinto dificuldades para fazer prevaleçam os vossos desígnios nos territórios onde pairam as vossas bênçãos dulcificantes… A civilização, que ali se inicia sob os imperativos da vossa vontade compassiva e misericordiosa, acaba de ser contaminada por lamentáveis acontecimentos. Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruz fizeram-se à vela, escravizando os negros indefesos da Luanda, da Guiné e de Angola. Infelizmente, os pobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam à pátria do vosso Evangelho como se fossem animais bravios e selvagens sem coração e sem consciência…”

O mensageiro, porém, não conseguiu continuar. Soluços divinos rebentavam-lhe do peito opresso, evocando tão amargas lembranças…

3 Mas, o Divino Mestre cingindo-o ao seu coração augusto e magnânimo, explicou brandamente:

— “Ismael, serena o teu mundo íntimo no cumprimento dos sagrados deveres que te foram confiados. Bem sabes que os homens têm a sua responsabilidade pessoal, nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas. Mas, se não podemos tolher-lhes aí a liberdade, também não podemos esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos. 4 Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do planeta, buscando-se a colaboração dos povos sofredores das regiões africanas; mas, para que essa cooperação fosse efetivada sem o atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem violências de qualquer natureza. A colaboração africana deveria, pois, verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas determinações. 5 O homem branco da Europa, porém, está prejudicado de uma educação espiritual condenável e deficiente. Desejando entregar-se ao prazer fictício dos sentidos, procura eximir-se aos trabalhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dos climas considerados impiedosos…  6 Eles terão liberdade para humilhar os seus irmãos, considerando-se a grande lei do arbítrio independente, embora limitado, instituído por Deus para reger a vida de todas as criaturas, dentro dos sagrados imperativos da responsabilidade individual; mas, os que praticarem o nefando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo martírio, nos dias do futuro, quando forem também vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias. 7 Na sua sede nociva de gozo, os homens brancos ainda não perceberam que a evolução pertence à prática do bem, e que todo o determinismo de Nosso Pai deve ser assinalado pelo “amai ao próximo como a vós mesmos”, ( † ) ignorando voluntariamente que o mal gera outros males, com um largo cortejo de sofrimentos… 8 Todavia, através dessas linhas tortuosas, impostas pela vontade livre das criaturas humanas, operarei com a minha misericórdia… Colocarei a minha luz sobre essas sombras, amenizando tão dolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renúncias em favor do Evangelho e confia na vitória da Providência Divina…”

9 Calara-se a voz de Jesus por instantes e mais confortado, Ismael continuou:

— “Senhor, não teríeis um meio direto de convencer a política dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de Santa Cruz?”

10 Ao que o Divino Mestre esclareceu sabiamente:

— “Não nos compete cercear os atos e intenções dos nossos semelhantes, e sim cuidar intensamente de nós mesmos, considerando que cada um será justiçado na pauta de suas próprias obras. 11 Infelizmente Portugal, que representa um agrupamento de Espíritos trabalhadores e dedicados, remanescente dos antigos fenícios, não soube receber as facilidades que a misericórdia do Supremo Senhor do Universo lhe outorgou nestes últimos anos. Até aos meus ouvidos têm chegado as súplicas dolorosas das raças flageladas por sua prepotência e desmesuradas ambições. 12 Na velha Península já não existe o povo mais pobre e mais laborioso da Europa. O luxo das conquistas amoleceu-lhe as fibras criadoras e todas as suas preciosas energias e qualidades de trabalho vêm esmorecendo, sob o montão de riquezas fabulosas… 13 Entretanto, o tempo é o grande mestre de todos os homens e de todos os povos, e, se não nos é possível cercear o arbítrio livre das almas, poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano aprenda, na dor e na miséria, as lições sagradas da experiência e da vida.”

14 Ismael retornou à luta, cheio de fervorosa coragem e os acontecimentos foram modificados.

Os donatários cruéis sofreram os mais tristes reveses no solo do Brasil.

Os Tupinambás e os Tupiniquins, que se localizavam na Bahia e haviam recebido Cabral com as melhores expressões de fraternidade, reagiram contra os colonizadores transformados, para eles, em desalmados verdugos. Lutas cruentas desencadearam contra os brancos, que lhes depravavam os costumes.

15 A luxuosa expedição de João de Barros,  †  que se destinava ao Maranhão, mas que saíra de Lisboa com instruções secretas para conquistar o ouro dos Incas, no Peru, dispersou-se no mar, sofrendo os seus componentes infinitos martírios e resgatando com elevados tributos de sofrimento as suas criminosas intenções, na condenável aventura.

16 Os tesouros das Índias levaram o povo português à decadência e à miséria, pela disseminação dos artifícios do luxo e pelas campanhas abomináveis da conquista, cheias de crueldade e de sangue. A sede de ouro ordenava o abandono de todos os campos.

17 A Casa de Avis,  †  sob cujo reinado se iniciou o tráfico hediondo dos homens livres, desapareceu para sempre, depois de sucessivos desastres. Após a derrota de D. Sebastião  †  em Alcácer Kebir,  †  o trono caiu nas mãos do Cardeal D. Henrique  †  e, em 1580, Portugal, exânime, entrega-se ao domínio da Espanha, acentuando-se a sua decadência com Filipe II,  †  o mais fanático e o mais cruel de todos os príncipes da Europa do século XVI.

18 Na formação da pátria do Evangelho, o homem branco alterara os fatores, com as suas taras estratificadas e com a sua vontade independente; mas Jesus alterou os acontecimentos com o seu poder magnânimo e misericordioso.

19 Os filhos da África foram humilhados e abatidos, no solo onde floresciam as suas bençãos renovadoras e santificantes; o Senhor, porém, lhes sustentou o coração oprimido, iluminando o calvário dos seus indizíveis padecimentos com a lâmpada suave do seu inesgotável amor. Através das linhas tortuosas dos homens, realizou Jesus os seus grandes e benditos objetivos, 20 porque os negros das costas africanas foram uma das pedras angulares do monumento evangélico do Coração do Mundo. Sobre os seus ombros flagelados, carrearam-se quase todos os elementos materiais para a organização física do Brasil e, do manancial de humildade de seus corações resignados e tristes, nasceram lições comovedoras, imunizando todos os espíritos contra os excessos do imperialismo e do orgulho injustificáveis, das outras nações do planeta, dotando-se a alma brasileira dos mais belos sentimentos de fraternidade, de ternura e de perdão.


Humberto de Campos

(Irmão X)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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