1 Em carta, você me pergunta,
Meu caro Antônio Peri,
De que modo almas sem fé
Costumam viver aqui.
2 Diz você “almas sem fé”.
E a sua definição
Faz com que a gente medite
Nos assuntos tais quais são.
3 A você posso afirmar
De quanto agora conheço:
Cada qual, depois da morte,
Procura o próprio endereço.
4 Quem se dedica a elevar-se
No campo do dia a dia,
Vive no Além pela fé
No trabalho a que servia.
5 Mas quem anda mundo afora,
Sem ideal ou sem crença,
Na Terra ou fora da Terra,
Está naquilo que pensa.
6 Nesse caso, vale pouco
A morte por nova estrada,
A mente em desequilíbrio
Continua alucinada.
7 Quem viveu só para si
Segue essa linha incorreta
E é tanta gente no embrulho
Que eu mesmo fico pateta.
8 Você recorda o João Panca
No Roçado da Parede,
Desencarnado em preguiça
Vive atolado na rede.
9 Garimpeiro apaixonado,
Manoelino de Nhá Chica,
Sem corpo, mora na serra,
Caçando mina de mica.
10 Tanto pensava em comida
Que Altino de Vista Bela,
No Além, traçou na cabeça
A forma de uma panela.
11 Bebedor como ninguém,
Nosso Anselmo Rosmaninho
Já morreu, há muito tempo,
E está no copo de vinho.
12 Sempre parada no ouro,
Desencarnou Dona Rita,
Está sem corpo, há dez meses,
E a pobre não acredita.
13 Conquistador, morreu Nico,
Hoje, ao fazer-se presente,
Ele ataca de fantasma
E as moças correm na frente.
14 Tanto buscava adorar-se
Que Esmeraldina Botelho,
Depois de desencarnada,
Não larga a face do espelho.
15 Sem esforço em que progrida,
Tal qual por aqui se vê,
É muita gente que vive
Sem saber como e porquê…
16 A vida sem ideal
É trilha na contra-mão,
Dificuldade e perigo
Seguindo sem direção.
17 Use o carro de seu corpo,
Servindo e amando com fé.
Quem age e confia em Deus
Não precisa marcha à ré.
Cornélio Pires
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