1 O professor Chaves, pioneiro da Doutrina Espírita, em Uberaba, Minas, foi procurado por prestigioso amigo do campo social, que lhe falou sem rebuços:
— Chaves, agora desejo doar duzentos contos para obras espíritas; entretanto, como você não desconhece, tenho aspirações políticas desde muito tempo.
2 O distinto educador, sumamente conhecido por sua virtuosa austeridade, guardava silêncio.
E o outro prosseguia:
— Já auxiliei construções espíritas numerosas, mas tudo sem resultado. Tenho apenas recebido ingratidões e mais ingratidões. É uma lástima. Em toda parte, mentiras e mentiras. Queria, desse modo…
3 Como a reticência se prolongasse, Chaves perguntou:
— Queria o quê, meu amigo?
— Desejava a sua palavra empenhada, o apoio de seu prestígio diante dos espíritas, para que me garantissem o voto.
— Nada posso fazer, — disse o professor, peremptório.
4 — Que é isso? — Falou o amigo, com ar de censura. — Você prometeu receber-me e atender ao meu problema.
— Pensei que o senhor estivesse tratando de caridade, mas o que francamente procura é a realização de um negócio, — disse Chaves, imperturbável.
— Que ideia! — Falou o visitante, desencantado. — Entrego duzentos contos, duzentos contos de réis… Que é caridade, então?
5 Humilde e simples, o professor explicou:
— Caridade é o amor de Deus no coração humano. E esse amor, meu amigo, conforme nos ensina o Espiritismo, não tem preço. Onde é que o senhor já viu alguém pagar a luz do Sol, a bênção do ar, o tesouro do verdadeiro amor ou o espetáculo do céu estrelado?…
— Mas Chaves, — disse o outro, — isso é muita filosofia… O que eu desejo é fazer uma dádiva… Para vocês, espíritas, o que vem a ser uma dádiva?
6 E o educador respondeu, sereno:
— Dádiva é o bem que a gente faz sem esperar recompensa de coisa alguma.
7 O político, nervoso, despediu-se e procurou distração num bilhar. E inquirido por alguns correligionários quanto aos resultados da entrevista, deu primorosa tacada e falou que o professor João Augusto Chaves não passava de um louco.
Hilário Silva