1 — Acautele-se, meu filho! Fuja de qualquer desrespeito ao caminho legal. Resigne-se ao dever. O trabalho honesto é a vida segura. Pode haver embaraço, sim. Pode haver. Mas o suor na obrigação bem cumprida é o preço correto da verdadeira felicidade! — Assim falava o Espírito de Dona Maria Clara ao seu filho Leonardo, através do médium. 2 — Não queira contrabando. Você é tintureiro. Cuide da roupa limpa, que é serviço de Deus. Lembre-se de que, às vezes, tudo exigindo, costumamos tudo perder. A criatura tem livre-arbítrio para melhorar o destino ou agravá-lo, todos os dias.
3 Entretanto, ali mesmo, ao término da sessão, Leonardo Madeira falava aos amigos:
— Ora, ora. Minha mãe mora noutro mundo… Aposto que mudaria se estivesse no nosso… Tenho um filho para educar e o colégio é um osso duro… Minha vida é meu filho. Jurei que não terá de futuro as minhas dificuldades…
4 — Mas ouça, Leonardo, — falava Serra, um dos diretores do templo, — você precisa considerar… Se você realmente negocia de forma clandestina…
— Clandestina, por quê? Meu trabalho é tão lícito quanto os outros. Compro e vendo, é tudo o que faço.
5 E Leonardo continuou. Ricardo era o filho feliz.
Para estudos de Ricardo, passeios de Ricardo, exigências de Ricardo e loucuras de Ricardo, fizera-se o receptador de perfumes e isqueiros, revólveres e rádios, no comércio ilegal.
6 Burlava, com esmero, os agentes do fisco. E a renda aumentava. Chegou, porém, a noite da enorme desilusão.
Recebera Leonardo três revólveres finos para passar adiante. A noite, o filho, alcoolizado em festa junina, chega em casa e deslumbra-se.
7 Observa um exemplar, apalpa outro, ainda o terceiro. Por fim, simpatiza mais fortemente com um deles. E tem a ideia louca de disparar, como complemento aos folguedos daquela noite.
8 Carrega a arma e experimenta, mas os dedos tremem, altera-se a direção e a bala lhe vara o peito. Rebuliço. Gritaria. Corre-corre. Ambulância. Mas, em poucos minutos, Leonardo, desalentado, recolhe o filho morto.
Hilário Silva