1 João Marques pregava com fervor. O tema era a tolerância.
A assembleia, enlevada, bebia-lhe o verbo, num deslumbramento de luz.
— “Suportemos os golpes do destino! Suportemos a calúnia e a ingratidão, a dificuldade e a lágrima!…”
O auditório vibrava…
2 Nisso, pequenina bruxa dourada voeja na sala e toca de leve o rosto do orador.
João Marques vacila. Interrompe-se. Num átimo, toma a minúscula borboleta noturna e, visivelmente irritado, esmaga-a com o pé. E prossegue na preleção…
3 Mais tarde, o círculo é reduzido. Apenas alguns companheiros e o médium Macedo.
Batista, o presidente da instituição, agradece as bênçãos da noite. Era o décimo aniversário do templo e o salão estivera cheio.
No clima de júbilo geral, comunica-se Nuno, o orientador desencarnado. Controlando o médium, saúda os amigos.
4 Complacente, otimista, explana, fraterno, sobre os méritos do trabalho. Quando está prestes a despedir-se, João Marques arrisca:
— Meu amigo, julga que me conduzi a contento na palestra?
— Como não? — Replica, sorridente, o instrutor.
— Você estava muito bem inspirado, feliz.
— E não tem algum apontamento a dizer?
5 O benfeitor pareceu refletir um minuto e concluiu:
— Marques, já que você faz questão do apontamento, não posso omiti-lo. Você falou sobre a tolerância, brilhantemente. Mas pensemos um pouco. Se não podemos suportar pobre borboleta a nos beijar respeitosamente a testa, como suportaremos as pancadas justas da vida?
Hilário Silva