1 — Reconheço no Evangelho o livro da salvação, mas decididamente não concordo. Não concordo em que os espíritas se afirmem cristãos.
2 Era um negociante do Recife, muito ligado às tarefas de evangelização, dirigindo-se a Djalma de Farias, então benemérito lidador da Doutrina Espírita na capital pernambucana.
3 — Imagine só, — e apontando para um homem sob pesado fardo na rua, — aquele é o Secundino, que esteve na cadeia por mais de oito anos. Beberrão contumaz, assassinou um companheiro de quarto que lhe negara alguns vinténs, e, por causa dele, morreu a esposa e um filhinho da vítima, em triste miséria. Isso aconteceu aqui mesmo, perto de nós. Entretanto, hoje diz que é espírita. Lê comentários do Novo Testamento. Fala sobre Jesus. Não é o caso do demônio que, depois de velho, se fez ermitão?
4 Farias, porém, objetou, muito afável:
— Meu caro, veja lá o que diz. Não será esse um caso para louvar? Pois se vemos um delinquente regenerado, um homem-problema tornar-se útil… Você é leal servidor do Evangelho. Vamos lá! E Jesus? O Mestre foi o remédio dos enfermos, o equilíbrio dos loucos, a visão dos cegos, o movimento dos paralíticos… O papel da religião não será ajudar, restaurar, reviver?
5 Surpreendendo-se desarmado de argumentação mais sólida, o comerciante aduziu:
— Para mim nada disso vale. Só a palavra do Evangelho é verdadeira. Quero a letra da lei…
— E você tem aí o Testamento do Cristo? — Indagou Farias com humildade.
— Como não? — Gritou o opositor enervado, estudo o Evangelho de ponta a ponta.
6 E sacou do bolso pequenino exemplar.
— Então, abra o livro, — pediu Djalma, — é impossível que não tenhamos resposta justa.
O lojista descerrou as páginas, com segurança, e surgiram aos olhos de ambos as palavras do Cristo no versículo trinta e três do capítulo doze, nas anotações de Mateus: “… Pelo fruto se conhece a árvore.” ( † )
Hilário Silva