1 Rossi e Alves eram diretores de conhecido templo espírita e davam-se muito bem na vida particular. Afinidade profunda. Amizade recíproca. Sempre juntos nas boas obras, integravam-se perfeitamente no programa do bem.
2 Alves, com desapontamento, passou a saber que Rossi, nas três noites da semana sem atividades doutrinárias, era visto penetrando a porta de uma casa evidentemente suspeita, lugar tristemente adornado para encontros clandestinos de casais transviados.
3 Persistindo semelhante situação por mais de um mês, Alves, certa noite, informado de que o amigo entrara na casa referida, veio esperá-lo à saída.
Dez, onze, meia-noite…
4 Alguns minutos depois de zero hora, Rossi saiu calmo e o amigo abordou-o.
— Meu caro, — advertiu Alves, sisudo, — não posso vê-lo reiteradamente neste lugar. Você é casado, pai de família e, além de tudo, carrega nos ombros a responsabilidade de mentor em nossa Casa. Nada podemos condenar, mas você não ignora que álcool e entorpecentes, aí dentro, andam em bica…
5 Rossi coçou a cabeça num gesto característico e observou:
— Não há nada. Estou apenas cumprindo um dever cristão.
— Dever cristão?
— Sim, a filha de um dos meus melhores amigos está frequentando este círculo. Jovem inexperiente. Ave desprevenida em furna de lobos. Enganada por lamentável explorador de meninas, acreditou nele… Mas a batalha está quase ganha. Convidei-a a pensar. Há mais de um mês prossegue a luta. Hoje, porém, viu com os próprios olhos o logro de que é vítima. Acredito que amanhã surgirá renovada…
6 E ante os olhos desconfiados do amigo:
— Você sabe. É preciso agir, sem rumor, sem escândalo. Quem sabe? Talvez em futuro próximo a invigilante pequena possa encontrar companheiro digno. E ser mãe respeitada.
7 Alves riu-se às pampas, de maneira escarninha, e falou:
— Vou ver se é verdade.
— Não, não! Não vá! — Pediu Rossi, em súplica ansiosa.
— Tem medo de ser apanhado em mentira? — Disse Alves, com a suspeita no rosto.
8 E sem mais nem menos entrou casa a dentro, encontrando, num pequeno salão, sua própria filha chorando ao pé de um cavalheiro desconhecido…
Hilário Silva