O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Antologia dos Imortais — Autores diversos — 3ª Parte — Francisco C. Xavier e Waldo Vieira n


2

Auta de Souza n

1

ESTRELAS

1 Beija essas mãos que alentas e que afagas,
Quando és bondade apenas, branda e pura,
Mãos engelhadas, mãos em miniatura,
Mãos trêmulas, mãos tristes, mãos em chagas!…


2 Mãos que recordam náufragos, nas vagas
De atormentado mar, em noite escura,
Mãos que ensinam, em preces de amargura,
Quão pequenina a dor em que te esmagas!…


3 Beija essas mãos cansadas, quase mortas,
Flores de sangue e fel que reconfortas,
A estender-lhes consolo, pão e ninho.


4 E, quando a morte apague a luz que levas,
Essas mãos, como estrelas sobre as trevas,
Brilharão por degraus de teu caminho!…


2

AOS CARAVANEIROS DO BEM

1 Caravana do amor, ditosa e bela
— Esperança e consolo que bendigo —,
Serve e divide o pão do excelso trigo
De que o chão da bondade se constela!


2 Aqui, há provação e desabrigo;
Além, o pranto é mar que se encapela…
Ao sol do bem a simples bagatela
Acende a excelsa luz do Excelso Amigo…


3 Segue e restaura a vida semimorta,
Onde a noite da mágoa desconforta
O coração que sangra, sofre e erra!… (25) n


4 Inda mesmo ante o mal, na luta inglória,
A caridade é o canto de vitória
Do reinado do Cristo sobre a Terra!…


3

ENTREVISTA

1 Não precisas buscá-lo no Azul pleno,
Onde a vida imortal esplende e assume
A estranha forma do Celeste Lume
De que o homem percebe vago aceno. (32)


2 Desce ajudando ao chavascal terreno
Que tragédias e lágrimas resume…
E espalha a caridade qual perfume
Que se evola do lodo ao céu sereno.


3 Ante o vale da sombra imensa e fria,
Abençoa, restaura, eleva e guia,
Lenindo as aflições de toda a hora… (39) n


4 E perante o suor da angústia em chaga,
Encontrarás o Cristo que te afaga,
Em cada coração que luta e chora!…


4

COMPAIXÃO

1 Modera a exaltação dos teus sentidos,
Não te faças distante ou displicente,
Ouve as preces, as pragas e os gemidos
Da fornalha em que clama a luta ingente.


2 Passa e fita os olhares doloridos
Que traduzem a dor de tanta gente,
Qual se avistasses corações queridos
Rogando alívio à mágoa impenitente.


3 Serve, socorre e ampara a criatura
Que vagueia a pedir de porta em porta,
Revolvendo as entranhas na amargura.


4 Por ti mesmo, sê brando sem disfarce.
Liberta a luz do amor que te conforta
E anseia por sair a derramar-se…


5

TRABALHA AGORA

1 Pondera o tempo — mar em que navegas,
Invisível apoio que te escora.
Não te afundes no abismo, senda afora,
Nem prossigas, em vão, tateando às cegas.


2 Glórias, delitos, lágrimas, refregas,
Tudo é feito no tempo, de hora a hora… n
Estende o amor e a paz, semeando agora
As riquezas do tempo que carregas!


3 Inda que a dor te oprima e o mal te afronte,
Vive, qual novo dia no horizonte,
Sem que a névoa do mundo te abastarde…


4 Hoje! Trabalha agora, em cada instante;
Agora! trilha aberta ao sol triunfante!…
Muitas vezes, depois é muito tarde!…


5-A

DIVIDE

1 Não somes simplesmente os bens da vida…
Deus reparte a bondade com grandeza.
O próprio pão que te enriquece a mesa
É mensagem da terra dividida.


2 Fita a glória solar fremindo acesa,
A fonte que ao repouso te convida
E as flores que se entregam sem medida,
No coração de luz da Natureza…


3 Divide assim também do que te sobre.
O celeiro do bem nunca está pobre,
Inda que a singeleza nele brade.


4 A prece, o bolo, o caldo, o leito e a veste n
São dividendos para o Lar Celeste,
No tesouro de amor da eternidade…



[1] AUTA DE SOUZA — “Poetisa de grande emoção religiosa”, no dizer de Afrânio Peixoto, órfã de pai e mãe, A. de Souza, desde cedo, enfrentou o mar de provações redentoras, no qual vogou por toda a sua curta vida física. Educada no Estado de Pernambuco, amargou uma existência de acerbos sofrimentos. “Sua vida” — di-lo Hostílio Montenegro — “foi uma coroa de espinhos atada com a tuberculose.” Seu livro Horto (1899) traz um prefácio de Olavo Bilac, no qual o poeta, após dizer que o volume “vem revelar uma poetisa de raro merecimento”, faz esta ressalva: “não há nas estrofes do Horto o labor pertinaz de um artista.” “Talento e sensibilidade” — observa Domingos Carvalho da Silva (Vozes Fem. da Poesia Bras., pág. 25) — “não faltaram à triste moça tísica do Nordeste, que cometeu, todavia, o equívoco irreparável de fixar os olhos brilhantes em Lamartine, quando já brilhava a estrela de Mallarmé e Verlaine.” (Macaíba, Rio Grande do Norte, 12 de Setembro de 1876 — Natal, Rio Grande do Norte, 7 de Fevereiro de 1901.)
BIBLIOGRAFIA: Horto. A 3ª edição, Rio de Janeiro, 1936, é prefaciada por Alceu Amoroso Lima.


[2] Versos 25-32. - Ler com hiato: so/fre e/ er/ra; De/ que o/ ho/mem.


[3] Verso 39. - Leia-se to/da a/ ho/ra, em três silabas.


[4] Verso 62 - Cf. a nota anterior (verso 39 deste capítulo).


[5] Verso 82 - Observe-se a enumeração.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir