1 Há diferença nas ruas
Da miséria e da abastança,
Mas é sempre igual nas duas
O sorriso da criança.
2 Coração que choras tanto,
Acharás decerto, um dia,
No imenso mar de teu pranto
As pérolas da alegria.
3 Eis a verdade corrida
Nas sendas de toda sorte:
Se a morte sucede à vida,
A vida sucede à morte. n
4 O corpo diz ébrio e ufano:
— Domino e gozo tranquilo!
Diz a cova ao corpo insano:
— Deixa estar que eu te aniquilo!
5 Guarda bem essa lição
Em teus passos descuidados:
Pressa, falha e imperfeição
Caminham de braços dados.
6 A história de toda gente
Na eternidade é assim:
Provação primeiramente,
Depois a glória sem fim. n
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[1] VIRGÍLIO BRANDÃO — Segundo Augusto Linhares (Col. Poetas Cearenses, pág. 117), V. Brandão foi um “poeta lírico à maneira de Juvenal Galeno”. Muito dado ao cultivo da trova, “há em suas quadrinhas a fluência e a doçura que tanto agradam ao nosso sentimento”, diz Mário Linhares (Hist. Lit. Ceará, pág. 103). Colaborou em quase todas as revistas literárias de Fortaleza. Era funcionário do Tesouro Nacional. Profunda neurastenia levou-o ao suicídio. (Fortaleza, Ceará, 10 de Junho de 1885 — Fortaleza, 12 de Abril de 1943.)
BIBLIOGRAFIA: Líricas; Redondilhas, 2 vols. Deixou a publicar Redondilhas e Cromos (ed. definitiva).
[2] Verso 12 - Anadiplose: “…à vida/ A vida…”
[3] Verso 24 - Confrontando a semelhança de estilo do poeta de ontem com o vate espiritual de hoje, alinhemos aqui apenas duas trovas de sua autoria:
“Grande é o que, calmo, no leito,
Na hora de ir-se para o Além,
Pode dizer satisfeito:
“Nunca fiz mal a ninguém!”
“Basta a celeuma de um raio
Aos que se dizem ateus,
Para que sintam desmaio,
Para que gritem por Deus!”
(Ap. Col. Poetas Cearenses, págs. 117-118.)
Note-se que a analogia, a que nos referimos, não se prende tão só à temática, mas, também, à técnica, poética, principalmente no que tange ao gosto de uma ou outra sinalefa e ao esquema rimático do tipo abab.