1 Se ontem, atribulado, andei sem rumo certo,
Nômade do ideal, gemendo estrada afora, n
Hoje, crente, proclamo, ao coração que chora,
A alegria imortal do espírito liberto…
2 Renovado, feliz, vou pelo mundo agora,
Já não mais como fui, amargando o deserto,
E antevejo o painel do futuro entreaberto,
Em torrentes de amor a crescer hora a hora… n
3 Em Jesus encontrei o Mentor dos Mentores,
A guardar no Evangelho a Cartilha Suprema,
Libertação do mal, consolação nas dores.
4 Glorificado seja o Senhor Bem Amado,
Erguendo a liberdade ao pé de cada algema,
Pregando a redenção para todo culpado!… n
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1 Suspenso em pleno peito amplo vergel florido,
Existe qual jardim sem espinho e sem hera…
Por mais chuva ou mais sol, conserva o colorido, n
E, embora o frio em torno, esplende em primavera…
2 Do regato a jorrar não se escuta um gemido…
Nas brisas de perfume o amor jamais se altera…
E nesse abrigo santo, em pétalas tecido,
A doçura vigia em generosa espera…
3 Remanso de bondade em divino transporte,
Oásis no deserto a sorrir para a morte,
Quem consegue exaltar esse ninho fecundo?…
4 Só Deus !… Só Deus, usando a luz da aurora acesa, n
Poderá definir a infinita grandeza
Do coração de mãe como a glória do mundo!…
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[1] ISMAEL Alves Pereira MARTINS — Poeta, jornalista e polemista, colaborou nas mais importantes revistas simbolistas do Paraná. Falando sobre o seu único livro de versos, Fernando Góes (Pan. IV, pág. 221) conclui: “Poemas de alguém que teve uma vida de sofrimentos e que giram em torno do amor à família, da morte, da dúvida, da dor. De forma descuidada — Ismael confessa faltar-lhe o “segredo da Forma”, o “mérito da Arte” — esses versos são confissões e às vezes pungentes desabafos.” Pertenceu ao Centro de Letras do Paraná, do qual fora sócio fundador, e é, na Academia Paranaense de Letras, o patrono da cadeira nº 34. (Campo Largo, Paraná, 27 de Julho de 1876 — Curitiba, 7 de Dezembro de 1926.)
BIBLIOGRAFIA: Ciclos, versos; A Mocidade de Hoje, prosa; etc.
[2] Verso 2 - Aliteração em d.
[3] Verso 8 - Ler com hiato: ho/ra a/ ho/ra.
[4] Verso 14 - O poeta atribulado de “Vinte e Nove de Julho…”
“Vinte e nove de Julho! Ao lembrar este dia,
Às vezes pergunto a Deus: porque nasci?”
(Apud A. Muricy, Pan. Mov. Simb. Bras., II, pág. 216.)
volta agora no poeta “renovado, feliz”, de “Glorificação”.
É forçoso dizer que, neste soneto, o poeta deixa transparecer a euforia natural daqueles que encontram a resposta às antigas dúvidas que os acicatavam. No caso presente, o autor de Ciclos, depois de fundamentar a “ideia vaga”, expressa nos quartetos do soneto “Eternas perguntas”, na qual admitia já haver vivido em outro mundo, demonstra não mais ignorar aquilo que deixou nos tercetos do soneto a que aludimos:
“De onde vim? Aonde vou? Será verdade
Que a morte não existe? A eternidade
Será o consolo prometido à gente?
O homem que será? Verme inconstante
Ou sublimado ser que a todo instante
Se transforma e revive eternamente?”
(Ap. Rodrigo Júnior e…, Ant. Paranaense, pág. 192.)
[5] Verso 17 - Note-se a elipse: “Por mais (que haja) chuva ou sol…”
[6] Verso 26 - Epizeuxe: “Só Deus!… Só Deus…”
Texto extraído da 1ª edição desse livro.
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