1 Móvel quanto a maré cantante e permanente;
Serena como a flor transcendendo o monturo;
Excelsa quanto os sóis, fugindo em bando à frente:
Imortal como o tempo a buscar o futuro;
2 Nobre quanto a beleza a palpitar fremente;
Veraz como o clarão do pensamento puro;
Larga quanto a visão do infinito crescente;
Forte como o progresso a caminhar seguro;
3 Profunda quanto o mar de anseios e avatares;
Ardente como o amor na flama religiosa;
Divina quanto a luz dos gênios tutelares;
4 Doce como o perdão nos cárceres e crimes;
Assim prossegue a vida, estuante, formosa,
Sempre além, muito além dos sonhos mais sublimes!… n
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[1] MOACIR DE ALMEIDA — Patrono na Academia Belo-Horizontina de Letras e na Academia Carioca de Letras. “Comparado a Castro Alves,” — diz Fernando Góes (Pan. V, pág. 308) — “pelo vigor do estro, pelo arrojado das imagens, pela grandeza dos temas que o preocuparam, Moacir de Almeida foi, realmente, um poeta, na mais ampla e precisa acepção da palavra.” Júlio Pinto Gualberto (O Gênio Poét. de…, pág. 12) ressaltou-lhe “a fina sensibilidade, a profunda penetração psicológica”, acrescentando, páginas adiante: “A poética de Moacir de Almeida tem tópicos de musicalidade, bálsamo para os que sofrem.” Elogiado por Agrippino Grieco, Atílio Milano, Edmundo Moniz, foi o grande vate, durante a sua curta existência, “um torturado da dor e do sofrimento”. (Rio de Janeiro, Gb, 22 de Abril de 1902 — Rio de Janeiro, Gb, 30 de Abril de 1925.)
BIBLIOGRAFIA: Gritos Bárbaros; Poesias Completas de Moacir de Almeida.
[2] Verso 14 - A fim de que possamos comprovar o quanto era comum ao artista de “Avatares” o uso das comparações, chegando, quase, à prática obsessiva, fizemos uma estatística. Estudando os 3.410 versos, segundo nossos cálculos, constantes da obra Gritos Bárbaros e Outros Poemas, Livraria São José, Rio de Janeiro, com uma introdução de D. Martins de Oliveira, 3ª edição aumentada, chegamos à conclusão de que o vate de “A Águia” usou ali nada menos que 269 comparações, servindo-se, em quase todas, do “como”, valendo-se, segundo Antônio Olinto, “do signo de comparação que pode ser uma debilidade de expressão poética”.
A propósito, disse D. Martins de Oliveira (Op. cit., pág. 8):
“Pádua de Almeida referiu-me que, em menino, saia sempre a passeio com o irmão pelos arredores do Engenho Novo, e o contato com a Natureza, que tanto os deslumbrava, sugeria-lhes um jogo de comparações: a noite caindo sobre a montanha parecia um morcego, cego de luz, enquanto ao outro lembrava um véu negro pregado com as tachas das estrelas ao templo dos morros.
“Não teriam sido bem esses exemplos que me citou Pádua, mas quero chamar a atenção para o exercício curioso de um método comparativo, que lhes teria desenvolvido o gosto pela metáfora poética.” (Os grifos são nossos.)
Para ilustrar o que afirmamos, seguem apenas alguns exemplos deixados pelo poeta:
a) “América — I —”, 3ª estrofe, Op. cit., págs. 97-98:
“Aturdido de infinito
Cego de astros, louco de azul,
Como um índio que ruge ao sol nascente,
América, a teu céu lanço o meu grito
Beijando a terra ardente…
Nasci sob o clarão do Cruzeiro do Sul:
Vim de tuas entranhas
Como a torrente, como a planta, como a fraga,
— Rocha de tuas montanhas,
Árvore de tuas matas,
Onda de teus mares, vaga
Arrastada nas tuas cataratas!”
b) “Cori”, págs. 119-126: o poeta usa nada menos que 22 comparações e, às vezes, se condensam assim:
“Como a sombra; e, por tudo, os guerreiros selvagens,
Mortos; e vê, por tudo, o sangue nas folhagens,
Nos troncos, a escorrer como rubra resina;
Corpos arfando sobre a terra purpurina,
Como árvores que o raio, em pedaços, rojasse.”
c) “Maldição das Asas”, págs. 147-153: a obsessão pelo processo comparativo continua:
………………………………………
Ah! Se, acaso, em teu ser, a loucura das chamas,
Sublime como a luz, terrível como o oceano,
Te acendesse o infinito em cada olhar insano,…
………………………………………
E desenrolaria os cabelos desnastros
Como chamas de amor, nas célicas estradas.
………………………………………”
d) “Marinheiros”, págs. 171-173: vejam-se mais dez exemplos interessantes que não ousamos transcrever a fim de que o leitor possa, por si mesmo, deliciar-se com o magnífico jogo de comparações que, destacadas, perderiam o vigor que lhes empresta a vista de conjunto.
e) “Ruínas de Fogo”, págs. 186-187: neste poema, o autor fugiu à regra, tão somente na 2ª estrofe. Na 4ª, 6ª e 7ª, entretanto, serve-se nunca menos de duas comparações. Citemos apenas os dois últimos versos da penúltima estância:
“………………………………………
………………………………………
Meus, poemas fulgem como raios, como
Labaredas, relâmpagos, incêndios!”
E o mais curioso de tudo é que o último poema do livro, “Ode à Irlanda”, contém a cifra considerável de 14 comparações, e termina assim:
“Terra que Deus cravou nas ondas como um astro,
— Astro, sim! Astro audaz de cólera e grandezas —
Levanta-te! E, se acaso, entre as ondas acesas,
Não puderes surgir livre, aos olhos do Mundo,
Ó Irlanda, morre! Abrasa os céus no olhar profundo;
Mergulha-te no mar, num relâmpago insano,
Como o sol, a escorrer, no incêndio, atrás do oceano!”
De nosso estudo, salvo qualquer engano, depreendemos que o grande
vate de Gritos Bárbaros apresentou um total de 7,9% de comparações.
No soneto “Muito Além”, o mesmo poeta serve-se de 12 comparações, atingindo, portanto, em números
redondos, a 85,7%, o que é um número bastante expressivo.