1 A você, meu irmão, antes que parta
Para o jardim que a escória humana aduba n
No cultivo da terra fria e farta,
Falo como quem sopra velha tuba.
2 Andei fazendo prosa, verso e carta,
Esvaziando prato, copo e cuba,
Mas a morte triunfal tudo coarta
No tiro certo com que nos derruba.
3 De olhar em outro rumo, inda poeto
Atendendo a alegria do improviso
De coração feliz conquanto inquieto.
4 No incenso a Baco já não me agonizo,
Prossigo além, exótico e discreto,
Mangando embora, mas com regra e siso… n
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1 Aflito peregrim, que na carne conservas n
Cofre, arca, tesouro e riquezas humanas, (16) n
Converte em pão e luz pecúlios e reservas
Em prol de quem padece à míngua nas choupanas.
2 Criaturas, na Terra, existem como servas (19)
Atadas ao grilhão da posse, em feras ganas,
No sinistro prazer das mentiras protervas,
Aos priscos sonhos vis das ilusões vesanas.
3 Ao homem que se esquece e jamais se vigia,
A fortuna mais alta é cárcere e desdouro…
Enriquece de amor a existência vazia.
4 Destruirás, desde agora, o ergástulo vindouro
Que encerra a alma infeliz nas raias da agonia,
Qual soterrado vivo em mausoléu de ouro. (28)
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[1] EMÍLIO DE MENEZES — Amigo de Guimarães Passos e Olavo Bilac, Emílio foi uma das figuras mais populares do Rio de Janeiro. Temido poeta satírico, o “Caçador de rimas difíceis”, no dizer de Agrippino Grieco, conquanto eleito, em 1914, somente dias antes de sua desencarnação veio a tomar posse no Petit Trianon, sem as formalidades exigidas pelo Regulamento da Academia. Salienta E. Werneck que “Emílio de Menezes gravou os seus poemas a buril: foi um dos mais extremados na perfeição artística e no lavor da forma cuidada.” (Curitiba, Paraná, 4 de Julho de 1866 — Rio de Janeiro, Gb, 6 de Junho de 1918.)
BIBLIOGRAFIA: Marcha Fúnebre; Poemas da Morte; Poesias; Últimas Rimas; etc.
[2] Verso 2 - Observe-se a imagem que constitui, aliás, expressivo eufemismo.
[3] Verso 14 - Neste soneto, o poeta demonstra sua preferência pelas rimas raras e cruzadas, nos quartetos, com disposição característica nos tercetos (cdc, dcd), como o fizera em “Numa Lápide” (apud Os Mais…, pág. 99), “Envelhecendo” (apud E. de M., o Últ. Boêm., pág. 181), etc. Importante também é que encontramos neste “Recado” cinco martelos, o que corresponde à estatística de M. Cavalcanti Proença (Ritmo e Poesia, págs. 87-88), que, em 840 versos do grande satírico, encontrou 307 martelos. Isto vem demonstrar que, embora mais sério, o vate ainda não se libertou do ritmo comum aos mestres da sátira.
[4] Verso 15 - peregrim: forma antiga de peregrino.
[5] Versos 18-19-28. - Ler com hiato: “Co/fre/ ar/ca”; “cri-a-tu-ras”; “de/ ou/ro”. Cf. o 10º verso de “Envelhecendo” (apud Op. cit., pág. 181): “Prê/mio,/ qual/ de/les?/ Qual/ de/les/ é ex/pi/a/ção?”