1 Na câmara olorosa, antes do réveillon,
Há sedas no alvo leito e holandas de bordados,
Fitas e rendas sobre os móveis entalhados,
Loções no toucador, pentes, rouge e baton…
2 Na mesma casa, em quarto pobre e de mau tom,
Ante um catre modesto há roupas sem plissados,
Forros sem bibelots, limpos e descuidados,
Um livro de orações e a paz de um ninho bom.
3 Duas irmãs no mundo, em diversos destinos…
Uma, a sofrer, fruindo ilusões passageiras;
Outra, a penar, gemendo entre sonhos mofinos…
4 Cada qual conduzindo um dever e uma cruz,
Caminham, perto e longe, embora companheiras,
Buscando o mesmo amor… sonhando a mesma luz… n
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[1] João Marques RENATO DA CUNHA — De Renato da Cunha afirma Antônio Carlos Machado (Coletânea de Poetas Sul-Riogr., pág. 155): “Foi um dos grandes poetas gaúchos do século XIX. Foi também um dos mais discutidos do seu tempo.” Colaborou no Jornal do Comércio e no Correio do Povo, dos quais era redator, na A Batalha e em outros jornais de Porto Alegre, aí fundando O Reclame, em 1895. É tido como o iniciador dos simbolistas no Rio Grande do Sul, antecedendo a geração de Marcelo Gama e Zeferino Brazil. Seus versos “brilham, não só pela beleza de imaginação, galas de estilo e elevação e grandeza de pensamento, bem como pela metrificação” (apud RC, Maldições e Crenças, pág. 5). Patrono, na extinta Academia Rio-grandense de Letras, da cadeira nº 36. (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 15 de Abril de 1869 — Porto Alegre, 2 de Maio de 1901.)
BIBLIOGRAFIA: Rutilações; Pérolas e Diamantes; Vesúvios; etc.
[2] Verso 14 - Para que possamos comprovar o gosto do poeta pelas palavras estrangeiras, de preferência francesas, vamos transcrever-lhe apenas os tercetos de um “Soneto”, citado pelo autor da Coletânea de Poetas Sul-Riograndenses:
“As lindas cortesãs, envoltas em arminhos,
Nos fofos dos coupés, como rolas nos ninhos,
Saiam dos bordéis cansadas das vigílias.
“E nas mesas do jogo os velhos crapulosos
Davam ao bacarat, febrentos, sequiosos,
Os últimos ceitis roubados às famílias.”
(Pág. 157.)
Aliás, só mesmo um grande amigo dos francesismos para fundar um jornal do gabarito de O Reclame, cujo título, por si só, faria corar a qualquer gramático inimigo dos galicismos.