1 — Para! — repete a voz. — Espera! Aguça o ouvido!… —
O homem prossegue, entanto, a passo turbulento…
— Para! Não sigas mais! Ouve! Sê comedido!… —
Ele teima, rebelde, e vara a sombra e o vento…
2 — Para! Detém-te, agora! Escuta, precavido!… —
Desce a noite profunda e invade o firmamento…
— Para! Que já retumba o funesto alarido!… —
E rosna o temporal pelo bulcão violento… n
3 — Para! Atende, afinal! Busca a bênção da prece!… — n
Mas o surdo viajor ri-se e desobedece,
Satiriza, gargalha e afronta o céu vulcâneo…
4 Como quem foge à voz do socorro divino,
Avança para a dor do seu próprio destino…
E mais além um raio espedaça-lhe o crânio… n
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1 Ei-la a estrugir na ideia!… Alçada com lisura,
Reflete os dons de Deus, ergue, educa e domina!… n
Tesoura, corta os véus literais da Escritura!
Cinzel, grava os anais da Justiça Divina!
2 Aguilhão, tece o fio imortal da cultura!
Lança, retalha o corpo estranho da rotina! n
Clava, reduz o grés do mal a cinza escura!
Broca, rompe os grilhões da expiação ferina!
3 Pincel, tinge os painéis ridentes da bondade!
Chave, fende os portais ocultos da Verdade!
Palheta, fere, em lira augusta a paz serena!
4 Homem, caminha além! Pompeia, em verso e prosa,
O altívolo espadim da expressão luminosa
A brilhar-te nas mãos sob a forma de pena!…
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[1] TOBIAS BARRETO de Menezes — Chefe da chamada “Escola do Recife”, o poeta condoreiro de Dias e Noites deixou uma obra vasta e imponente. Para Exupero Monteiro, da Academia Sergipana de Letras, “Tobias foi um poeta de grandezas e ternuras”, salientando que “a dúvida religiosa foi uma das constantes da sua amargurada existência” (T. Barreto, pág. 30). Cultura polimórfica e profunda, escreveu sobre Filosofia, Direito, Literatura, Música, “abrindo novos caminhos à vida espiritual do País”, no dizer de Edgard Cavalheiro. Figura de destaque na Faculdade de Direito do Recife. Lente da Universidade Livre, de Francfort, em 1881. Patrono da cadeira nº 38, na Academia Brasileira de Letras, pertenceu, ainda, ao Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Esforçado paladino da imprensa, colaborou em vários periódicos do Recife, tendo fundado e redigido muitos outros. Orador, crítico, polemista e perfeito conhecedor de meia dúzia de línguas, Armindo Guaraná considerou-o “o maior dos sergipanos pelo talento e pela erudição”. (Campos, atual Tobias Barreto, Est. de Sergipe, 7 de Junho de 1839 — Recife, Est. de Pernambuco, 26 de Junho de 1889.)
BIBLIOGRAFIA: Dias e Noites; Estudos Alemães; Discursos; etc.
[2] Verso 8 - Feliz emprego do verbo rosnar, depois de retumbar o funesto alarido.
[3] Verso 9 - Anáfora: “Para!” — no começo de 5 versos.
[4] Verso 14 - Excelente estudo do livre arbítrio humano e do determinismo das Leia Divinas, realçado pela conhecida tendência filosófica do Autor.
[5] Verso 16 - Note-se o clímax : “ergue, educa, domina!…”
[6] Verso 20 - Das numerosas imagens que se desdobram do primeiro ao último verso, esta, sem dúvida, é realmente magnífica: “Lança, retalha o corpo estranho da rotina!”