1 Em sua residência no Méier, Manuel Quintão, que era, ao tempo, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, recebia a visita de um companheiro que se autobiografava, a cada instante:
— Como você sabe, — dizia ele agora, — quando eu fundei a casa espírita a que nos referimos, todos me aplaudiram… Minha conferência foi muito bem comentada… Minha opinião, no assunto, foi um sucesso… Os jornais pediram meu parecer e fiz o que pude pela Doutrina Espírita, com a aprovação de todos…
2 De quando em quando, mergulhava a ponta do charuto no cinzeiro e continuava:
— Todos estão satisfeitíssimos comigo… Sinto-me plenamente apoiado…
3 Quintão, depois de ouvir longo tempo, falou sério:
— Sim, meu caro, Deus o conserve assim festejado; entretanto, não nos esqueçamos… A lisonja, em qualquer situação, é uma pedra de tropeço…
4 O companheiro apanhou-se em falta, ante a delicada observação, e ficou procurando algum ponto no ambiente para não dar a perceber o seu verdadeiro estado de alma.
5 Vagueando o olhar, notou, em vaso próximo, que linda begônia de Dona Alzira, a dona da casa, estava sendo atacada por enorme lagarta.
6 Encontrou a motivação que buscava e falou:
— Sem dúvida… (e mostrando a larva) a lisonja em nós é tal qual essa lagarta na planta…
7 Quintão sorriu, expressivamente, e, fazendo menção de libertar a begônia daquela indesejável presença, disse, com firmeza:
— Meu amigo, o homem não pode evitar o assalto da lisonja, mas aquele que conserva semelhante praga consigo, decerto caminha para a sua própria destruição.
Hilário Silva