I
— Não posso mais! Estou resolvida!
— Não diga isso. Fique mais calma. Somos espíritas e…
— Não, Agenor! Não quero mais filhos. Nem esse e nem a possibilidade de outros. Estou decidida.
— Se houvesse realmente necessidade… Mas você está forte, robusta… Isso é meia-morte. Pense bem. Olhe o “deixai vir a mim os pequeninos!…” ( † )
— Não. É muita gente que faz isso, por que não posso fazer? Vou agora ao hospital tratar de meu caso… Estou resolvida.
Assim falando, Carolina ralhou com os três filhos pequenos e deixou a casa, nervosa, acompanhada de Agenor.
II
— Quero falar com o doutor. Ele está?
— Minha senhora, ele está operando agora. Não deve demorar muito.
Nisso, um senhor ao lado pergunta:
— Quem está ele operando? É uma senhora loura?
E o porteiro, respeitoso, respondeu em voz baixa:
— Não, meu senhor. É uma senhora que acaba de chegar perdendo muito sangue. É alguma coisa de aborto. Está passando muito mal.
Agenor olhou significativamente para Carolina…
III
— A senhora loura é sua parenta? — Pergunta Carolina, ao vizinho da poltrona.
— Sim. É minha tia.
— De que se vai operar?
— Ela, minha senhora, desde que perdeu o último filho, está perturbada. Vão fazer uma operação na cabeça dela, para ver se melhora o gênio.
Agenor voltou a olhar expressivamente para Carolina…
IV
Eis que passam dois homens em avental branco, e Carolina, atenta ao movimento em torno, na expectativa de falar ao facultativo, ouviu, de relance:
— As cifras estatísticas de câncer uterino são avultadas, — disse um.
— E aqui, na região, a incidência é grande? Pergunta o outro.
— Muitíssimo. Basta ver que a enfermaria feminina sempre está com três a quatro casos… Agenor, ainda uma vez, olhou incisivamente para Carolina…
V
Carolina levanta-se, resoluta.
Agenor segue.
Vão transpondo a porta principal da casa de saúde, quando o solícito porteiro inquire:
— Não vai esperar, minha senhora?
— Não, meu amigo. O doutor está demorando. Preciso cuidar das crianças. Obrigada. Até logo.
— Então, Calu, em que ficamos? — Pergunta Agenor, ao descer a rampa do hospital.
E Carolina responde:
— Não, Agenor, dos males o menor. Fico assim mesmo…
Hilário Silva