1 Suspirava pela nomeação para o cargo público que lhe daria quarenta mil cruzeiros por mês. Conquistara o diploma de bacharel. Numa noite, acalentando o desejo de instituir várias obras de beneficência em favor da Humanidade sofredora, Raimundo Perez orava, extático.
2 Queria subir. Desvencilhar-se do corpo físico.
Entraria em contato com a Esfera Superior e formularia a súplica que acalentava no íntimo.
Aspirava ao título de benemérito no campo da Doutrina que professava.
3 Mas precisava de dinheiro. Muito dinheiro.
Quem sabe? Somente os Espíritos superiores poderiam dissolver as dificuldades que se lhe antepunham ao grande intento, e pensava:
— “Nomeado com os vencimentos de quarenta mil cruzeiros mensais, poderia encontrar o necessário começo… Em seguida, ganharia influência, atrairia poderosos, escalaria a montanha do ouro e granjearia importância política para cumprir a missão…”
4 Embalado em deliciosas miragens, Perez dormiu e viu-se efetivamente desligado da máquina corpórea.
Reconheceu-se subindo, subindo… até que se viu em amplo salão, à frente de nobre instrutor que o recebeu entre bondoso e severo.
A breves momentos inteirou-se de toda a situação.
5 Alcançara grande instituto do Plano Superior, que supervisionava várias tarefas espíritas na esfera dos homens.
Contudo, não era ali o único visitante.
Em torno, enorme multidão. Muitas vozes, muita gente.
6 Alguém, mais categorizado que ele mesmo para pedir, ergueu-se diante do benfeitor e, com sublime sinceridade, rogou informes sobre a razão de tantos fracassos entre os companheiros do Espiritismo, na Terra.
Era um missionário da verdadeira fraternidade, buscando piedosamente recursos de amparo moral para os próprios irmãos na fé.
7 Ninguém ousou adiantar-se-lhe aos rogos.
A petição era comovente demais para que outros requerimentos lhe tomassem a dianteira.
8 Foi então que o generoso mentor tomou a palavra e falou com franqueza:
— “Com base em inúmeros dados estatísticos colhidos junto aos nossos companheiros na Terra, podemos esclarecer que grande número dos profitentes do Espiritismo, na carne, tem fracassado devido às seguintes atitudes:
— Querem dinheiro e dominação…
— Querem autoridade e influência.…
— Querem saúde física perfeita…
— Querem a compreensão alheia integral…
— Querem as mais altas concessões da mediunidade, sem esforço para obtê-las…
9 Tudo isto porque se esquecem de que, na Terra, devemos estar cientes do ensino de Jesus, que afirmou categórico, quando esteve na carne: — “Meu reino não é deste mundo.” ( † )
10 O benfeitor teceu ainda algumas considerações sobre o tema e, ao acabar de falar, Raimundo sentiu-se desamparado em si mesmo.
Guardava a sensação de quem via o solo a fugir-lhe dos próprios pés.
11 E sentiu-se cair… do alto, de muito alto… E acordou.
Identificara-se, mas visceralmente transformado.
Conservava a impressão de prosseguir envergonhado de si mesmo.
12 Acompanhou a mãezinha ao mercado, ajudando-a, prestativo. Não mais falava na sua nomeação com o entusiasmo anterior, e a palavra dinheiro passou a ter, para ele, importância bem secundária.
13 À vista de tudo isto, D. Conceição, a genitora, chamou os dois filhos mais velhos a longa conversação e assentaram juntos que um psiquiatra devia ser consultado.
Anotando a súbita renovação de Raimundo, todos os familiares julgaram que o pobre rapaz ficara perturbado da razão…