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Fases da Igreja Católica.
1 Apesar dos numerosos desvios da Igreja romana, que esquecera os princípios cristãos tão logo fora chamada aos gabinetes da política do mundo, nunca o Catolicismo foi de todo abandonado pelas potências do bem, no Mundo Espiritual. 2 Advertências inúmeras lhe foram enviadas em todos os tempos da sua vida histórica, pela misericórdia do Cristo, condoído da impiedade de quantos, sob o seu nome, manchavam o altar dos templos.
3 Enquanto esteve subordinada aos imperadores de Constantinopla, a instituição católica trabalhou para libertar-se de semelhante tutela, procurando a mais ampla independência espiritual, somente conseguida depois do papa Estevão II, † em 756, com a organização iníqua do chamado † Patrimônio de São Pedro, constituído por territórios conquistados aos povos gregos, à força de espada. 4 A esse tempo, os vários soberanos da época dispunham da Igreja de acordo com os seus caprichos pessoais, conferindo dignidades eclesiásticas às consciências mais apodrecidas. 5 A sede do Catolicismo se transformara num vasto mercado de títulos nobiliárquicos de toda a natureza. 6 Até depois do século X, semelhante situação de descalabro moral marchava para a frente, num crescendo espantoso. 7 Os Apóstolos do Divino Mestre, nas claridades do Infinito, deploram semelhantes espetáculos de indigência espiritual, determinando a reencarnação de numerosos auxiliares da tarefa remissora, nas hostes da † regra de São Bento. 8 Estes missionários da verdade e do bem operam a restauração do mosteiro de Cluny, † de onde sairiam pensamentos novos e energias regeneradoras.
1 Foi nesse movimento de restauração que Hildebrando, conhecido como Gregório VII, ouvindo as inspirações que lhe desciam ao coração, do Plano Invisível, preparou-se para a missão que o esperava no Vaticano. 2 Sua figura é das mais importantes do século XI, pela fé e pela sinceridade que lhe caracterizaram as atitudes. 3 Eleito papa, após a desencarnação de Alexandre II, † reconheceu que as primeiras providências que lhe competiam eram as do combate ao simonismo no seio da instituição católica e as do restabelecimento da autoridade da Igreja, que ele desejou sinceramente reconduzir ao seio do Cristianismo, embora as lutas sustentadas contra Henrique IV façam parecer o contrário. 4 Convocando um concílio em Roma, no ano de 1074, procurou reprimir a enormidade de tantos abusos referentes ao mercado dos sacramentos e às honras eclesiásticas. 5 Filipe I † e Henrique IV † prometem o seu amparo e o seu auxílio às decisões do pontífice, no sentido de regenerar a organização da Igreja. 6 Henrique IV, porém, prestigiado pelos bispos culpados de simonia, fugiu ao cumprimento da promessa e, depois de exortado por Gregório VII, tenta depô-lo, reunindo em Worms um sínodo de sacerdotes transviados. 7 O papa excomunga o príncipe rebelado, ocorrendo então os célebres acontecimentos de † Canossa. 8 A luta ainda não havia terminado, quando Gregório VII se desprende do mundo em 1085, deixando, porém, o caminho achanado para a Concordata de Worms, † que se realizaria em 1122 com Henrique V, † com a independência da Igreja e a regeneração aproximada de sua disciplina.
1 Instalada nas suas imensas riquezas e dispondo de todo o poder e autoridade, a Igreja poucas vezes compreendeu a tarefa de amor, que competia à sua missão educativa.
2 Habituada a mandar sem restrições, muitas vezes recebeu as advertências de Jesus à conta de heresias condenáveis, que era preciso combater e profligar.
3 As exortações do Alto não se faziam sentir tão somente no seio das ordens religiosas, onde penitentes humildes proporcionavam aos seus orgulhosos superiores eclesiásticos as mais santas lições da piedade cristã. 4 Também na sociedade civil as sementes de luz deixavam entrever os mais esperançosos rebentos de compreensão e de sabedoria, acerca do Evangelho e dos exemplos do Cristo. 5 Neste caso está Pedro de Vaux, que, embora sendo um homem de negócios, em Lião, desprendeu-se de todos os laços que o prendiam às humanas riquezas, despojando-se de todos os seus bens em favor dos pobres e necessitados, comovido com a leitura da exemplificação de Jesus no seu Evangelho de amor e redenção. 6 Esse homem extraordinário, a quem fora cometida a missão de instrumento da vontade do Senhor, mandou traduzir os livros sagrados para leitura pública e, junto de outros companheiros que passaram à História com o nome de valdenses, † iniciou amplo movimento de pregações evangélicas, à maneira dos tempos apostólicos. 7 Os Pobres de Lião foram excomungados, primeiramente pelo bispo de sua cidade e, mais tarde, em 1185, pelo pontífice do Vaticano. 8 A Igreja não poderia tolerar outra doutrina que não a sua, feita de orgulho e mal disfarçada ambição. 9 Qualquer lembrança verdadeira e sincera, do seu divino Fundador, era tomada como heresia abominável e suscetível das mais severas punições. 10 A verdade, porém, é que, se os valdenses foram caluniados pelas forças católicas, suas pregações e apelos nunca mais desapareceram do mundo desde o século XI, porque, com vários nomes, as suas organizações subsistiram na Europa até à Reforma, não obstante os guantes de ferro da Inquisição.
1 Os apelos do Alto continuaram a solicitar a atenção da Igreja romana em todas as direções. As chamadas “heresias” brotavam por toda parte onde houvesse consciências livres e corações sinceros, mas as autoridades do Catolicismo nunca se mostraram dispostas a receber semelhantes exortações.
2 Havia terminado, em 1229, a guerra contra os hereges, cujos embates atravessaram o espaço de vinte anos, quando alguns chefes da Igreja consideravam a oportunidade da fundação do tribunal da penitência, cujos projetos de há muito preocupavam o pensamento do Vaticano.
3 Mascarar-se-ia o cometimento com o pretexto da necessidade de unificação religiosa, mas a realidade é que a instituição desejava dilatar o seu vasto domínio sobre as consciências.
4 Todavia, se a Inquisição preocupou longamente as autoridades da Igreja, antes da sua fundação, o negro projeto preocupava igualmente o Espaço, onde se aprestaram providências e medidas de renovação educativa. 5 Para isso, um dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco de Assis. Seu grande e luminoso espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da Úmbria desolada. 6 Sua atividade reformista verificou-se sem os próprios atritos da palavra, porque o seu sacerdócio foi o exemplo na pobreza e na mais absoluta humildade. 7 A Igreja, todavia, não entendeu que a lição lhe dizia respeito e, ainda uma vez, não aceitou as dádivas de Jesus.
1 O esforço poderoso do missionário, todavia, se não conseguiu mudar a corrente de ambições dos papas romanos, deixou traços fulgurantes da sua passagem pelo planeta.
2 Seu exemplo de simplicidade e de amor, de singeleza e de fé, contagiou numerosas criaturas, que se entregaram ao santo mister de regenerar almas para Jesus.
3 A ordem dos franciscanos † chegou a congregar mais de duzentos mil missionários e seguidores do grande inspirado. 4 Eles repeliam qualquer auxílio pecuniário, para aceitar tão somente os alimentos mais pobres e mais grosseiros, e o característico que mais os destacava das outras comunidades religiosas era o seu alheamento dos mosteiros. 5 Em vez de repousarem à sombra dos claustros, na tranquilidade e na meditação, esses espíritos abnegados reconheciam que a melhor oração, para Deus, é a do trabalho construtivo, no aperfeiçoamento do mundo e dos corações.
1 Muito pouco valeram as lições do bem, diante do mal triunfante, porque em 1231 o Tribunal da Inquisição estava consolidado com Gregório IX. † Esse instituto, ironicamente, nesse tempo não condenava os supostos culpados diretamente à morte — pena benéfica e consoladora em face dos martírios infligidos aos que lhe caíssem nos calabouços, — mas podia aplicar todos os suplícios imagináveis.
2 A repressão das “heresias” foi o pretexto de sua consolidação na Europa, fazendo-se o flagelo e a desdita do mundo inteiro.
3 Um longo período de sombras invadiu os departamentos da atividade humana. A penumbra dos templos era teatro de cenas amargas e sacrílegas. Crimes tenebrosos foram perpetrados ao pé dos altares, em nome d’Aquele que é amor, perdão e misericórdia. A instituição sinistra da Igreja ia cobrir a estrada evolutiva do homem com um sudário de trevas espessas.
1 Há quem tente explicar esses longos séculos de sombra pelos hábitos e concepções daquele tempo. Mas, a verdade é que o progresso das criaturas poderia dispensar esse mecanismo de crimes monstruosos. Por isso, nos débitos romanos pesam essas responsabilidades tremendas quão dolorosas.
2 A Inquisição foi obra direta do papado, e cada personalidade, como cada instituição, tem o seu processo de contas na Justiça Divina, e eis porque não podemos justificar a existência desse tribunal espantoso, cuja ação criminosa e perversa entravou a evolução da Humanidade por mais de seis longos séculos.
Emmanuel