O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XII — Outubro de 1869.

(Idioma francês)

VARIEDADES.


A mediunidade no copo d’água e a mediunidade curadora na Rússia.

1. — Um dos nossos correspondentes de Odessa  †  (Rússia meridional), nos transmite interessantes detalhes sobre a mediunidade vidente por meio do copo d’água. (Vide a Revista Espírita dos meses de outubro de 1864 e 1865, e  junho de 1868.) [Vide também: A mediunidade pelo copo d’água em 1706.] Parece que essa faculdade é muito espalhada em todas as classes da escala social, sendo empregada como meio de adivinhação e de consulta pelos doentes. As pessoas que dela são dotadas veem, num copo ou numa garrafa d’água, sem qualquer magnetização, imagens que muitas vezes mudam de aspecto.

Eis as informações que nos foram dadas e que o nosso correspondente obteve de uma testemunha ocular e cuja veracidade não pode ser posta em dúvida.


“Um de meus amigos, diz ele, velho coronel reformado, espírita e médium escrevente, a quem informei de minha leitura do artigo de Genebra (número de junho da Revista Espírita, 1868), narrou-me o seguinte fato que lhe é pessoal:

“Para evitar qualquer alteração, deixarei falar o meu interlocutor, limitando-me simplesmente a traduzir do russo para o francês:

“Muito tempo antes que se cogitasse de Espiritismo, eu morava em Nicolajeff.  †  A filha do meu cocheiro, menina de doze anos, era idiota e assim permanecia, apesar de todos os meios empregados pelos pais para restituir-lhe a razão.

“Um dia, o pai procurou-me e pediu permissão para chamar uma ruakharka (literalmente: mulher sábia), a qual, segundo lhe asseguravam, podia curar sua filha. Nada tendo a objetar, fizeram vir a ruakharka e eu mesmo fui à cozinha para assistir à sessão.

“A mulher pediu um vaso liso de arenito, encheu-o de água e se pôs a olhar no seu interior murmurando palavras incompreensíveis.

“Logo ela se voltou para nós dizendo que a menina era incurável, aconselhando-me a olhar no vaso para aí encontrar a prova do que dizia.

“Tomando tudo por uma trapaça, lancei um olhar incrédulo e, para minha estupefação, vi reproduzir-se a imagem da doente, em sua posição habitual, isto é, sentada no chão, as mãos entre as pernas e balançando o corpo como o pêndulo de um relógio. Em frente à menina se postava um horrível cão negro, olhando-a fixamente como se quisesse atirar-se sobre ela.

“Crendo estar sendo enganado por truque bem feito, pus a mão no vaso e agitei a água, o que fez desaparecer a imagem, mas, obviamente, nada encontrando.

“As ruakharky pululam em nossas casas na Rússia; não há uma só aldeia, um só vilarejo que não tenha uma ou várias delas, veneradas ou temidas, conforme os bons ou os maus efeitos que produzem na vizinhança.

“Por vezes elas se ocupam de adivinhação, mas geralmente cuidam dos doentes, sobretudo por meio do nacheptchivanié (murmúrio), isto é, ora murmurando preces e fórmulas cabalísticas, ora impondo um dedo ou a mão, ou ambas as mãos sobre a parte doente. Numa palavra, pode-se dizer que há tantas maneiras de curar quantas ruakharky.

“A maioria delas não trata todas as doenças, pois têm especialidades; por vezes os efeitos que produzem são prodigiosos, tanto mais quanto não empregam senão raramente medicamentos substanciais.

“É bem evidente que a essas ruakharky, a várias das quais não se pode recusar uma grande força magnética ou mesmo uma mediunidade de cura, misturam-se charlatães que praticam a mais grosseira superstição, para grande prejuízo moral, físico e pecuniário das pobres criaturas que caem em suas mãos.

“Tendo em vista os efeitos muitas vezes benéficos e por vezes perniciosos que produzem, o povo encara essas ruakharky com um misto de confiança e de temor, que sabem empregar muito bem em seu proveito; mas há os que nada aceitam.

“Os fatos acima, acrescenta o nosso correspondente, concluindo, provam uma vez mais que nem a mediunidade em suas diferentes fases, nem o emprego do magnetismo são invenções novas, mas, bem ao contrário, estão disseminados em toda parte, mesmo onde menos se esperaria encontrá-los; que se passaram nos usos e costumes de quase todos os povos desde a mais alta antiguidade, e que não se trata senão de fazer uma triagem conscienciosa e razoável do verdadeiro e do falso, das leis da Natureza e das práticas supersticiosas, de esclarecer, e não de negar, para congregar em torno da verdadeira doutrina milhões de aderentes, aos quais só falta um ensino racional para serem espíritas, se não de nome, ao menos de fato.

“Se julgardes útil publicar estas linhas, autorizo que aí ponhais o meu nome, pois não se deve temer dizer claramente suas convicções, desde que honestas e leais.

“Aceitai, senhores, a expressão da minha mais alta consideração.”


Gustave Zorn.

Negociante em Odessa. (Rússia meridional), 24 de agosto de 1869.


Observação. – Aproveitamos a ocasião para cumprimentar o Sr. Zorn pelo desejo de não ocultar de modo algum a sua qualidade de espírita. Seria desejável que todos os nossos irmãos de crença tivessem a mesma coragem diante da opinião, pois só teriam a ganhar, bem como a Doutrina, em consideração e dignidade.


2. — Tendo sido lido num grupo espírita de Paris,  †  este interessante relato ensejou a seguinte comunicação:


(Paris, 7 de setembro de 1869.)

À medida que vossas relações se estenderem e os espíritas espalhados em todos os centros estudarem os costumes populares de suas localidades, logo reconhecerão que em toda parte os princípios do Espiritismo, por vezes desnaturados mas ainda reconhecíveis, estão profundamente arraigados em todas as crenças primitivas ou tradicionais. Nada aí que possa causar admiração, senão uma prova a mais da realidade do ensino dos Espíritos. Se, no curso dos últimos quinze anos o Espiritismo tomou novo impulso; se, em menos tempo ainda, foi reunido em corpo de doutrina e popularizado no mundo inteiro, não é menos verdade que repousa sobre leis tão antigas quanto a Criação, e que, por conseguinte, sempre regeram as relações entre os homens e os Espíritos.

Desde o paganismo, que não passava da deificação poética das crenças espíritas, e desde antes dos tempos mitológicos, os princípios da filosofia nova, conservados por alguns sábios, transmitiram-se de idade em idade até aos nossos dias, suscitando muitas vezes perseguição e sofrimento contra esses precursores de nossas crenças, mas também burilando seu nome em letras de ouro sobre o grande livro dos benfeitores da Humanidade.

Cada época teve seus missionários e reveladores, cuja linguagem era apropriada ao adiantamento e à inteligência daqueles que deviam esclarecer.

Sob um nome ou outro, o Espiritismo tem dominado desde a origem das sociedades até a época atual; e sejam quais forem as aparências, é ainda ele que preside a todos os movimentos filosóficos dos tempos presentes e que prepara o futuro. Com efeito, o que repelem? uma palavra, uma forma; mas o espírito da Doutrina está em todos os seres verdadeiramente progressistas e, mesmo, talvez nesses pretensos materialistas, reduzidos a divinizar a matéria, porque acham muito pequeno e muito mesquinho o Deus que lhes ensinaram a adorar. De fato, não é mais um Deus pessoal e vingativo que de agora em diante deve presidir à direção das Humanidades. Apaga-se a forma, para não deixar subsistir senão os princípios.

Que importam os obstáculos e as dificuldades do caminho? Marchai corajosamente, obedecei ao impulso de vossas convicções racionais, abandonai aqueles a quem ainda são suficientes os ensinos rotineiros, meio desacreditados, de um passado que cada dia se apaga mais, e não vos fixeis em procurar o ser divino senão na lógica, na sabedoria, na inteligência e na benevolência infinitas que surgem a cada passo do estudo da Natureza.


Clélie Duplantier. n


[A. DESLIENS.]



[1] [v. Clélie Duplantier.]


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