Reproduzimos, conforme o jornal Petite Presse de 23 de abril de 1869, a seguinte anedota a respeito da inteligência dos animais. É um documento a mais a agregar ao volumoso dossiê que o Sr. Allan Kardec nos legou sobre este interessante estudo. Dele tinha feito objeto de um tratado especial, que se propunha publicar pessoalmente num futuro próximo. Esforçar-nos-emos em complementar suas opiniões em tempo hábil, tão logo nos permitam os trabalhos de toda natureza que nos incumbe realizar. Até lá, seremos gratos aos correspondentes que nos quiserem comunicar suas reflexões pessoais a respeito, ou as comunicações e fatos capazes de nos esclarecerem tão completamente quanto possível, sobre esta criação tão interessante entre todas as obras do Criador.
“Ainda não foi dita a última palavra sobre a inteligência dos cães, escreve ao jornal Itália um oficial do exército italiano. Um curioso episódio de roubo à mão armada, cuja exatidão podemos garantir, disso nos forneceu uma nova prova.
“Numa das últimas operações militares destinas a purgar as províncias napolitanas da pilhagem, o esquadrão do capitão *** se dirigia silenciosamente à noite para um pequeno bosque, que informações muito seguras e precisas indicavam como refúgio habitual de um bando de salteadores.
“Quase ao romper do dia, nossos cavaleiros, que tiveram o cuidado de abafar o ruído de suas armas e os cascos de seus cavalos, se encontravam a pequena distância do local designado quando, de repente, um pequeno cão, evidentemente do bando de malandros e que se mantinha imóvel na entrada do bosque, de olhar inquieto, orelhas empinadas e altivamente postado sobre as patas, pôs-se a latir com todas as suas forças.
“O alerta estava dado; e quando o esquadrão entrou no matagal, traços recentes e irrecusáveis testemunhavam a fuga precipitada e desordenada de uma tropa de bandidos a cavalo.
“O capitão morde o bigode e, num acesso de mau humor fácil de compreender, resmungando entre os dentes, disse: “Maldito cão!”, tomou seu revólver e apontou para o infeliz sentinela dos bandidos, que acompanhava o esquadrão latindo cada vez mais.
“O tiro é dado, o cão rola na poeira, levanta-se para depois cair, soltando gritos plangentes, barriga para cima, patas no ar, rígido, imóvel.
“O esquadrão retoma sua marcha sem grande esperança de rever os assaltantes; mas, ao cabo de um bom quarto de hora, qual não foi a surpresa do capitão ao ver o fantasma do cão, ou, melhor dizendo, o próprio cão, que ele julgava morto e bem morto, em trotes curtos, ao lado do esquadrão, dissimulando-se atrás das árvores e das altas ramagens, espiando a marcha e a direção da tropa, cumprindo até o fim sua missão de sentinela avançada!
“Muito admirado, o capitão o chama; o cão, a despeito da acolhida pouco graciosa que recebera pouco antes, aproxima-se, alegre. Apalpam-no, examinam-no; nem um só arranhão, nem uma mecha de seu pelo queimada ou sequer chamuscada.
“Não restava dúvida: o cão tinha representado uma comédia, com talento e sucesso dignos do maior interesse.
“Sua inteligência, seu jeito manhoso conquistaram a graça dos soldados, que o acariciavam e com ele dividiam suas provisões.
“Apressemo-nos em dizer que ele se mostrou sensível e reconhecido a essas boas maneiras: não mais deixou o esquadrão e se tornou amigo e companheiro dos soldados.
“Além disso, voltando atrás em suas simpatias e veleidades bandidas, e convertido inteiramente às ideias de ordem e de respeito à lei, agora ele é o mais fino caçador de salteadores e, por conseguinte, seu mais temível e encarniçado inimigo.”
(Petite Presse de 23
de abril de 1869.)
[A. DESLIENS.]