A pergunta seguinte foi feita a propósito de uma antiga comunicação, na qual fora dito que certos Espíritos não tinham tido encarnações carnais, mas somente um corpo perispiritual. É o que se chamava erradamente de encarnação espiritual, o que seria um contrasenso, levando-se em conta que a palavra encarnação implica a ideia de uma substância carnal. Teria sido mais exato dizer que certos Espíritos nada tinham, a não ser a vida espiritual.
Pergunta. – Há Espíritos que não estejam submetidos à encarnação
material? É possível, sem submeter-se às provas da vida ordinária, adquirir
certos conhecimentos e chegar à perfeição? Que pensar das comunicações
dadas neste sentido?
Resposta. – Não; a encarnação puramente espiritual ou, para falar mais
exatamente, a encarnação perispiritual, a existência incorpórea não
é suficiente para a conquista de todos os conhecimentos necessários
a um certo estado de adiantamento moral e intelectual. Destinando-se
os Espíritos, à medida que progridem mais, a participar cada vez mais
ativamente no mecanismo da criação, e devendo dirigir a ação dos elementos
materiais, presidir às leis que põem os fluidos em vibração e determinam
todos fenômenos naturais, eles não podem chegar a um tal resultado senão
pelo conhecimento dessas leis, e não as poderão conhecer e aprender
a dirigir sem que, primeiramente, a elas estejam submetidos.
Malgrado a aparência um tanto paradoxal do início, não tenho dúvida de vos provar que é assim mesmo, porque é a verdade, e não uma teoria pessoal.
Antes de mais, estabeleçamos que não é o homem que está submetido às leis físicas, mas sim os elementos físicos que o constituem. Ele as sofre, tanto quanto os ignora, mas os domina e dirige à medida que aprende a conhecê-los. O humilde passageiro de um navio a vapor está sujeito à lei da força que dirige o navio; o mecânico domina e dirige a máquina; retém a força e faz servir as leis que descobriu à realização de suas vontades. Dá-se o mesmo com todas as leis da Natureza. Desconhecidas do homem e contrariadas por ele, elas o golpeiam e ferem; mas, o que ele descobre, o que adquire se lhe torna submisso. Controla a velocidade das correntes d’água, transforma-as em força e as utiliza em suas máquinas; o vapor o transporta e a eletricidade se torna um órgão de transmissão de seu pensamento.
Mas, como lhe veio a força? De seu contato com essa força; dos sofrimentos e dos benefícios que ela lhe trouxe! Quis diminuir uns e aumentar os outros e, pela experiência e pela observação, cada dia chegar a obter mais esse resultado. Mas, como teria adquirido, se não tivesse o desejo de adquirir? Quem lhe teria incutido esse desejo no coração, senão a necessidade? Que fazeis para não serdes constrangidos e forçados?… A necessidade de saber é a consequência da necessidade de gozar; tendes aspirações porque vos falta a felicidade e porque está na natureza de todo ser procurar o bom quando está mal e o melhor quando está bem.
Por que não seria assim com os outros seres? Por que o desejo de trabalhar viria a uns, sem que a necessidade os impelisse, enquanto tantos outros trabalham com tão pouco ardor, mesmo quando o instinto de conservação lho exige? E depois, Deus seria justo e sensato se suscitasse semelhante dilema ao homem? Se a encarnação é inútil, por que ele a teria criado? Se é necessária e justa, como outras criaturas poderiam prescindir dela?… Não; é uma teoria que nada justifica, mas que era útil estabelecer, ainda que fosse para demonstrar a sua impossibilidade. A verdade só triunfará quando todos os sistemas forem reconhecidos como falsos.
O Espírito que assim vos falou estava de boa-fé; acreditava no que dizia e, se outros não vos desiludiram, é que o tempo não havia chegado para vos dizerem mais. A verdade vos teria parecido improvável! Hoje vedes melhor, porque os vossos conhecimentos são mais vastos. Amanhã, aquilo que sabeis hoje não passará de minúscula parte dos conhecimentos que tereis adquirido, e assim por toda a eternidade.
Clélie Duplantier. n
[1]
[Observação: Essa comunicação foi recebida em 11 de março de
1869, portanto, 20 dias antes da desencarnação de Allan Kardec que ocorreu
a 31 de março de 1869.]
[2] [v.
Clélie
Duplantier.]