Um amigo, um grande poeta, escrevia-me em dolorosa circunstância: “Ela
é sempre vossa companheira, invisível, mas presente; perdeste a mulher,
mas não a alma! Caro amigo, vivamos nos mortos!” [Vide uma Carta
de Victor Hugo a Lamartine.] Pensamento consolador, salutar, que
reconforta na luta e faz pensar incessantemente nesta sucessão ascendente
da matéria, nesta unidade na concepção de tudo o que é, neste maravilhoso
e incomparável obreiro que, para a continuidade do progresso, liga o
Espírito a esta matéria, espiritualizada, por sua vez, pela presença
do elemento superior.
Não, minha bem-amada, não perdi tua alma, que vivia gloriosa, cintilante de todas as claridades do mundo invisível. Minha vida é um protesto vivo contra o flagelo ameaçador do cepticismo, sob suas múltiplas formas. Ninguém, mais que eu, afirmou energicamente a personalidade divina e acreditou na personalidade humana, defendendo a liberdade. Se o pensamento do infinito estava desenvolvido em mim, se a presença divina palpita em páginas entusiastas, é que eu devia abrir minha trilha; é que eu vivia da presença de Deus, e essa fonte, jorrando incessantemente, sempre me fez crer no bem, no belo, na retidão, no devotamento, na honra do indivíduo e, mais ainda, na honra da nação, essa individualidade condensada. É que minha companheira era uma natureza de escol, forte e terna. Junto dela compreendi a natureza da alma e suas íntimas relações com a estátua de carne, essa maravilha! Por isso, meus estudos eram espiritualizados, por conseguinte fecundos e rápidos, voltando-se incessantemente para as formas do belo e a paixão das letras. Casei a Ciência ao pensamento, a fim de que a Filosofia, em mim, pudesse servir-se desses dois preciosos instrumentos poéticos.
Às vezes minha forma era abstrata e não estava ao alcance de todos; mas os pensadores sérios o adotaram; todos os grandes espíritos de minha época me abriram suas fileiras. A ortodoxia católica me olhava como uma ovelha fugindo do rebanho do pastor romano, sobretudo quando, levado pelos acontecimentos, partilhei a responsabilidade de uma revolução gloriosa.
Arrastado um momento pelas aspirações populares, por esse poderoso sopro de ideias comprimidas, eu não era mais o homem das grandes situações; tinha terminado minha caminhada, e, para mim soavam, no relógio do tempo, as horas de lassidão e de desânimo. Vi o meu calvário, e enquanto Lamartine o subia penosamente, os filhos desta França tão amada lhe cuspiam no rosto, sem respeito por seus cabelos brancos, o ultraje, o desafio, a injúria.
Prova solene, senhores, na qual a alma se retempera e se corrige, porque o esquecimento é a morte, e a morte na Terra é o comércio com Deus, esse dispensador judicioso de todas as forças!
Morri como cristão; tinha nascido na Igreja, parto antes dela! Há um ano, eu tinha uma profunda intuição. Falava pouco, mas viajava sem cessar pelas planícies etéreas, onde tudo se refunde sob o olhar do Senhor dos mundos; o problema da vida se desdobrava majestosamente, gloriosamente. Compreendi o pensamento de Swedenborg e da escola dos teósofos, de Fourier, de Jean Reynaud, de Henri Martin, de Victor Hugo, e o Espiritismo, que me era familiar, embora em contradição com os meus preconceitos e o meu nascimento, preparavam-me para o desligamento, para a partida. A transição não foi penosa; como o pólen de uma flor, meu Espírito, levado por um turbilhão, encontrou a planta irmã. Como vós, eu a chamo erraticidade; e, para me fazer amar esta irmã desejada, minha mãe, minha esposa bem-amada, uma multidão de amigos e de invisíveis me cercavam como uma auréola luminosa. Mergulhado nesse fluido benfazejo, meu Espírito se serenava, como o corpo desse viajor do deserto que, após longa viagem sob um céu de chumbo e de fogo, encontrava um banho generoso para o corpo, uma fonte límpida e fresca para a sua sede ardente.
Alegrias inefáveis do céu sem limites, concertos de todas as harmonias, moléculas que repercutem os acordes da ciência divina, calor vivificante de suas impressões sem nome que a língua humana não poderia decifrar, bem-estar novo, renascimento, completa elasticidade, elétrica profundeza das certezas, similitude das leis, calma cheia de grandeza, esferas que encerram as humanidades, oh! sede bem-vindas, emoções previstas, aumentadas indefinidamente de radiações do infinito!
Permutai vossas ideias, espíritas, que acreditais em nós. Estudai nas fontes sempre novas do nosso ensino; firmai-vos, e que cada membro da família seja um apóstolo que fale, marche e aja com vontade, com a certeza de que não dais nada ao desconhecido. Sabei muito para que vossa inteligência se eleve. A ciência humana, reunida à ciência dos vossos auxiliares invisíveis, mas luminosos, vos fará senhores do futuro. Expulsareis a sombra para vir a nós, isto é, à luz, a Deus.
Alphonse de Lamartine. n
[1]
[v. Alphonse
de Lamartine.]