Um discípulo de Charles Fourier, que também é espírita, ultimamente nos dirigiu uma evocação com o pedido de solicitar uma resposta, se fosse possível, a fim de se esclarecer sobre certas questões. Como ambas nos pareceram instrutivas, transcrevemo-las a seguir.
(Paris. †
– Grupo Desliens, 9 de março de 1869.)
“Irmão Fourier,
“Do alto da esfera ultramundana, se teu Espírito pode me ver e me ouvir, eu te peço comunicar-te comigo, a fim de me fortaleceres na convicção que tua admirável teoria dos quatro movimentos fez nascer em mim sobre a lei da harmonia universal, ou de me desenganares, se tiveste a infelicidade, tu mesmo, de te enganares. – A ti, cujo gênio incomparável parece ter levantado a cortina que ocultava a Natureza, e cujo Espírito deve ser mais lúcido ainda do que o era no mundo material, eu te peço que me digas se reconheces, no mundo dos Espíritos, como na Terra, a existência de perturbação da ordem natural estabelecida por Deus, em nossa organização social; se as atrações passionais são realmente a alavanca de que Deus se serve para conduzir o homem ao seu verdadeiro destino; se a analogia é um meio seguro para descobrir a verdade.
“Peço-te que também me digas o que pensas das sociedades cooperativas que germinam de todos os lados na superfície do nosso globo. Se teu Espírito pode ler no pensamento do homem sincero, tu deves saber que a dúvida o torna infeliz; eis por que te suplico, de tua morada de além-túmulo, a gentileza de fazer tudo quanto dependa de ti para me convencer.
“Recebe, irmão nosso, a segurança do respeito que devo à tua memória e de minha maior veneração.”
J. G.
Resposta. – É uma pergunta muito grave, caro irmão em crença, perguntar
a um homem se ele se enganou, quando um certo número de anos se passou
desde que ele expôs o sistema que melhor satisfazia às suas aspirações
para o desconhecido! Enganei-me?… Quem não se enganou quando quis levantar,
apenas com as próprias forças, o véu que lhe ocultava o fogo sagrado!
Prometeu fez homens com esse fogo, mas a lei do progresso condenou esses
homens às lutas físicas e morais. Eu fiz um sistema, destinado, como
todos os sistemas, a viver um tempo, depois se transformar, associar-se
a novos elementos mais verdadeiros. Vede, há ideias como homens. Desde
que nasceram, não morrem: transformam-se. Grosseiras a princípio, envoltas
na ganga da linguagem, encontram sucessivamente artífices que as talham
e as vão polindo cada vez mais, até que o calhau informe se tenha tornado
o diamante de vivo brilho, a pedra preciosa por excelência.
“Busquei conscienciosamente e achei muito. Apoiando-me nos princípios adquiridos, fiz avançar alguns passos o pensamento inteligente e regenerador. O que descobri era verdadeiro em princípio; falseei-o, ao querer aplicá-lo. Quis criar a série, estabelecer harmonias; mas essas séries, essas harmonias não precisavam de criador; existiam desde o começo; eu não podia senão perturbá-las, querendo estabelecê-las sobre as pequenas bases de minha concepção, quando Deus lhes havia dado o Universo por laboratório gigantesco.
“Meu mais sério título, e o que ignoram e talvez mais desdenhem, é ter partilhado com Jean Reynaud, Ballanche, Joseph de Maistre e muitos outros, o pressentimento da verdade; é ter sonhado com essa regeneração humana pela provação, essa sucessão de existências reparadoras, essa comunicação do mundo livre e do mundo encadeado à matéria, que tendes a felicidade de tocar com o dedo. Tínhamos previsto e realizais o nosso sonho. Eis os nossos maiores títulos de glória, os únicos que, por minha parte, estimo e dos que mais me lembro.
“Dizeis que duvidais, meu amigo! tanto melhor; porque aquele que duvida verdadeiramente, procura; e aquele que procura, encontra. Procurai, pois, e se não depender senão de mim pôr a convicção em vossas mãos, contai com o meu concurso devotado. Mas escutai um conselho de amigo, que pus em prática em minha vida e com o qual sempre me dei bem: “Se quiserdes uma demonstração séria de uma lei universal, buscai a sua aplicação individual. Quereis a verdade? Buscai-a em vós mesmos e na observação dos fatos de vossa própria vida. Todos os elementos da prova lá estão. Que aquele que queira saber se examine, e encontrará.”
Ch. Fourier. n
[1]
[v. Charles
Fourier.]